terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Inimigos de Roma

A Roma Antiga passou séculos colecionando grandes inimigos
na Gália, Cartago e Grécia. A cidade sofreu derrotas que quase
a derrubaram, mas conseguiu subjugar as ameaças durante
quinze séculos





OS GENERAIS QUE DESAFIARAM O IMPÉRIO - SÉC IV A.C AO V D.C

Todo romance, poesia épica ou mesmo a tradição oral, sempre trabalha com uma idéia comum de dualidade: os grandes heróis têm inimigos igualmente grandiosos, para reforçar a importância e a valentia desse guerreiro perante os demais indivíduos de sua sociedade. Foi assim com Aquiles, personagem da Ilíada, de Homero, que confrontou o troiano Heitor; o mesmo ocorre com Edmond Dantes, da obra de Alexandre Dumas O Conde de Monte Cristo, que passou mais de uma década tramando sua vingança contra o rival Fernand. É essa oposição, no fim, que dá um caráter mítico a esses personagens literários. Contudo, esse mesmo conceito pode ser aplicado às civilizações reais, como Roma, que ao longo dos séculos colecionou uma imensa galeria de algozes vindos de diversos cantos do mundo com o desejo de vencer o grande exército e assumir a soberania da Europa e do Mediterrâneo. De Cartago, na África, surgiu Anibal Barca, que quase derrotou as legiões nas portas da cidade; da Gália, Vercingetórix reuniu tribos bárbaras e por pouco não subjugou Júlio César; da Grécia, Pirro, herdeiro de Alexandre, tentou dar início a um novo império helênico. Todos chegaram perto de derrubar a cidade, mas sempre foram repelidos pelas legiões inspiradas por Júpiter.




De todas as civilizações que chegaram a seu apogeu na Antiguidade, Roma, sem dúvida, foi a mais 'odiada' pelos inimigos. Os vizinhos gregos e macedônios se confrontaram com a Pérsia, mas não tiveram mais atritos graves com outras nações, além das inúmeras guerras internas. No Oriente Médio, persas e babilônios se enfrentaram em diversas batalhas, mas não chegaram a reunir tantos adversários importantes quanto os romanos. Por fim, os egípcios sempre procuraram manter um bom relacionamento com os povos vizinhos - salvo algumas exceções, como os núbios.

A GUERRA SAGRADA


Para os romanos, a guerra era uma instituição sagrada
e envolta em rituais de legitimação. Por causa da
importância para a sociedade, os deuses mais
evocados eram Marte e Júpiter Capitolino. No geral,
as batalhas tinham funções tanto de proteção
quanto de expansão do domínio da cidade.

Os romanos, porém, realmente juntaram uma quantidade muito grande de generais opositores com potencial suficiente para pôr a existência da cidade em risco. Isso, segundo o historiador norte-americano Daniel Roberts, professor da University of Richmond (Estados Unidos), pode ser explicado pelas aspirações expansionistas dos governantes da cidade, que sempre olharam para os vizinhos com desejos de conquista. "Até a invasão dos persas, as cidades-Estado gregas eram muito provincianas e, depois de derrotá-los na Batalha de Salamina, na Segunda Guerra Médica, retomaram seus conflitos internos. Mas os romanos da República e do Império eram guiados por imperialismos agressivos. Esta tendência de fazer algumas regiões como alvo de conquista deixou os povos muito nervosos e prontos para resistir aos avanços de Roma", argumenta. "Roma prevaleceu quase sempre porque destruiu inimigos resistentes. Mas algumas regiões, como a Germânia e Grã-Bretanha, provaram ser demasiadamente distantes e difíceis de assimilar o regime romano".

INIMIGOS DE ROMA

Além disso, havia ainda uma característica cultural muito forte que foi determinante para a existência de tantos conflitos envolvendo as legiões de Roma: a guerra, segundo o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), era sagrada. A premissa mais importante para a religião romana era o respeito aos ritos, fundamental para a manutenção da sociedade. Sendo assim, conta Tito Lívio, criou-se um conceito religioso para a própria guerra, da mesma forma como havia práticas religiosas para a instituição da paz. O próprio ato de declarar guerra a uma nação inimiga deveria seguir um rito: o emissário, ao chegar à fronteira inimiga, cobria a cabeça com um véu de lã e fazia preces a Júpiter, antes de expor as reclamações de Roma.

No fim, a 'encenação' religiosa servia apenas para justificar o início das hostilidades contra outras nações com amparo na própria religião. O intuito era fazer com que Júpiter desse um sinal, caso a declaração de guerra fosse injusta. Se nada ocorresse, a batalha era válida. Caso nada ocorresse naturalmente, o conflito estaria autorizado pelos deuses.


Romanos comemorando um triunfo com
a exibição pública de escravos capturados.
O triunfo era concedido ao general em
grandes vitórias e trazia glória e honra
para o exército. Pintura de Charles Gleyre.

De acordo com o historiador David Mattingly, da University of Leicester (Inglaterra), os piores inimigos de Roma podem ser divididos em três categorias. A primeira era formada por generais de grandes potências militares, como Anibal (Cartago) e Pirro (Épiro). No segundo grupo estavam líderes militares de tribos bárbaras. Por fim, ele aponta guerreiros que comandaram revoltas contra os romanos, como Vercingetórix, Armínio e Boudica. "O que caracteriza esse grupo é que muitos desses generais tinham apreciado o status anteriormente fornecido pelo estado romano. A decisão de se rebelar representou uma reversão da atitude inicial desses generais", analisa.

O INÍCIO DOS CONFRONTOS: BRENNO SAQUEIA ROMA

Grandes confrontos começaram a surgir durante as primeiras décadas do século IV a.C, bem antes da cidade de Roma se tornar uma potência militar temível. Naquele período, o povo celta (chamado pelos romanos de gaulês) realizou inúmeras invasões na Europa Central e Ocidental, ocupando um território que ia do Oceano Atlântico ao Rio Danúbio. No século anterior, diversos grupos já haviam cruzado os Alpes e se instalado na planície do Rio Pó, ao norte da Itália, formando a chamada Gália Cisalpina.


"Desgraça para os vencidos" foi a resposta de Breno
quando recebia o resgate dos romanos para terem
de volta sua cidade. A frase, em latim Vae Victis, foi
usada para explicitar a lei do mais forte. Enquanto
os romanos reclamavam do lastro do ouro que
haveriam que pagar, o gaulês teria jogado sua
espada na balança, mostrando que quem diz o
que era justo ou não são os que detêm o poder.
Acima, o quadro Breno e seu botim de Paul Jamin.

Pouco depois, os gauleses começaram a conquistar algumas cidades etruscas. Esse crescimento territorial incomodava cada vez mais os romanos. Com o conflito inevitável, o general Brenno combateu as legiões de Roma e derrotou o grande exército na Batalha de Allia (na região onde hoje fica a Toscana), distante 15 quilômetros de Roma. A perda das legiões permitiu a invasão e o saque da cidade, três dias depois. Isso, segundo a tradição romana, ocorreu em 390 a.C., mas Aristóteles aponta o ano de 387 a.C. como data exata.

Independente disso, boa parte da população romana foi executada durante a pilhagem. Nada ficou de pé, com exceção da cidadela do Capitólio, onde a resistência agüentou um cerco de seis meses. Conta a lenda que Roma foi obrigada a pagar um resgate de 1000 libras de ouro para que os gauleses desocupassem a cidade. Contudo, permaneceu uma antiga rixa entre os dois povos, que culminaria nas Guerras Gálicas séculos depois, quando os romanos conheceram um de seus maiores opositores: Vercingetórix.

Essa derrota, segundo o historiador Mikhail Rostovtzeff , serviu para que os próprios romanos conhecessem suas limitações militares, ao perceberem que o exército formado basicamente por patrícios era fraco e a cidade, pouco guarnecida. Assim, ordenou-se a construção de grandes muralhas de pedra, criando uma grande fortaleza, e a profissionalização das legiões.

A LUTA CONTRA PIRRO, O NOVO ALEXANDRE

Tempos depois, Roma buscou se expandir, anexando algumas cidades gregas no Sul da Itália. Nápoles e algumas outras decidiram se submeter ao domínio romano. Outras, porém, opuseram-se à aliança forçada. Tarento controlava o sudeste italiano com uma economia baseada no comércio. Era uma comunidade rica formada por mercadores, que tinha boas relações comerciais com os vizinhos helenos, para quem fornecia cereais e grãos. Para defender a expansão de Roma, Tarento declarou guerra aos romanos em 281 a.C. No ano seguinte, a cidade conquistou o apoio de um general importante: Pirro, herdeiro de Alexandre da Macedônia e rei do Épiro, região norte da Grécia, um 'comandante hábil e estadista ambicioso', nas palavras de Rostovtzeff.


O general Pirro, como muitos outros líderes gregos,
considerava-se herdeiro e sucessor de Alexandre,
O Grande ( mosaico acima ). Mesmo conseguindo uma
vitória militar sobre os romanos foi incapaz de deter
a capacidade de recuperação de seus inimigos.

O interesse de Pirro em defender Tarento era meramente político. "Esperava ele unir os italianos e gregos sicilianos sob sua bandeira e realizar dessa forma, no Ocidente, aquilo que Alexandre fizera no Oriente - criar um poderoso império grego, que pudesse dominar Roma e Cartago, e liderar as forças do Ocidente numa luta pela conquista do Oriente", narra Rostovtzeff , no clássico História de Roma. Para deter os romanos, o monarca do Épiro desembarcou em Tarento com 20 mil homens, além de 20 elefantes indianos. Além disso, ele também recebeu o apoio de samnitas (que já tinham se confrontado com Roma anteriormente), lucânios e brúcios, somando uma força militar com 40 mil lanças.

Pirro travou e venceu duas grandes batalhas contra os romanos, em 280 e 279 a.C., causando centenas de baixas às legiões da República. Porém, os generais de Roma adotaram uma estratégia paciente e esperaram pelo enfraquecimento do próprio inimigo. Como Pirro não conseguiu se estabelecer na Itália, travaram uma nova batalha em 275 a.C., com vitória para o lado de Roma. O rei do Épiro foi obrigado a se retirar do território italiano, abandonando Tarento à fúria dos romanos. A vitória das legiões nessa ocasião, segundo Rostovtzeff , só foi possível por conta do preparo militar que a cidade adotou após o saque dos gauleses.

Além disso, a derrota do herdeiro de Alexandre foi fundamental para a expansão romana na Europa. "A guerra contra Pirro foi essencial para ganhar o controle do Sul da Itália", analisa a historiadora Kathleen Coleman, professora da Harvard University (Estados Unidos).

CARTAGO, A GRANDE RIVAL




Quando a questão é guerra, os historiadores Dan Roberts (University of Richmond) e Daniel Potter (University of Michigan) concordam em um ponto: o cartaginês Anibal Barca (247 -183 a.C), filho do já lendário Amilcar, foi o pior algoz da história de Roma e, sem o confronto com ele, a cidade jamais teria se tornado um grande Império.
A relação entre a grande cidade e a família Barca começou antes mesmo do nascimento de Anibal. O primeiro a desafiar a paciência dos romanos foi seu pai, Amilcar. Os atritos entre as duas cidades começaram por conta do interesse de ambas em assumir o controle do Mar Mediterrâneo e, com isso, ganhar soberania nas relações comerciais. A situação se agravou quando Roma dominou os portos do Sul da Itália e começou a crescer pelo oceano.


Pintura de Willian Turner mostra a inesperada travessia
do exército de Aníbal pelos Alpes italianos. No caminho
insalubre, foram perdidos inúmeros elefante e milhares de
soldados. Mesmo assim, o elemento surpresa forneceu aos
cartagineses uma vantagem tática essencial sobre os romanos.

O estopim da Primeira Guerra Púnica foi a disputa pelo controle da Sicília, uma ilha estratégica localizada entre Cartago e o Sul da Itália. Amilcar comandou os exércitos cartagineses em terra e em mar, mas foi incapaz de impedir o avanço romano, que conseguiu derrotar a frota cartaginesa e, depois, tomar a Sicília. Para combater a superioridade naval dos inimigos, Roma obteve ajuda de gregos italianos e sicilianos para construir uma frota imensa e vencer. Em 256 a.C., Atílio Régulo invadiu a África, mas não foi capaz de destruir Cartago definitivamente, pois Xantipo, um mercenário espartano, ajudou os africanos nos combates.

De qualquer forma, Roma conquistou quase toda a Sicília e garantiu a soberania sobre o Mediterrâneo. Para evitar um desastre ainda maior, os políticos de Cartago foram obrigados a assinar um acordo de paz. A humilhação, porém, alimentou novos sonhos de atacar Roma em breve: como analisava Carl von Clausewitz, inimigo não destruído sempre carrega um forte sentimento de vingança.


2ª Parte -->


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