quarta-feira, 5 de março de 2008

Romanos e Partos

Atividades Bélicas na República e no Principado




O mundo romano sob a égide dos Príncipes vivenciou inúmeras guerras civis e externas, nas quais os aspectos militares e estratégicos se mesclavam com características econômicas, políticas, sociais, religiosas e culturais.

O ato de empreender uma batalha se iniciava muito antes do confronto em si. Eram necessários, por vezes, meses de preparação, com a organização dos suprimentos e de armas, a convocação dos soldados, a preparação das tropas, a definição dos generais (legados imperiais) e de suas táticas, a construção de armamentos (como, por exemplo, o onagro - onager - uma máquina militar similar à catapulta, ou o aríete - aries - uma tora de madeira suspensa numa espécie de torre para arrebentar as muralhas das cidades sob assédio, ou a balista - scorpio - um grande arco posto sobre base de madeira para lançar flechas e dardos a grande distância) e algumas vezes, quando se fazia estrategicamente necessário, de barcos. Mesmo quando Roma buscava mais se defender de perdas sucessivas de territórios do que ampliar o limes, os empreendimentos bélicos suscitavam preparativos e expectativas.

Na passagem do II para o III século d.C., período de governo de Septímio Severo(193 a 211 d.C.) e de seus filhos Geta (211 a 212 d.C.) e Caracala (211 a 217d.C.), o agon dos gregos, o espírito competitivo, não desapareceu entre os romanos.
Mesmo tendo enfrentado uma guerra civil que se estendeu de 193 a 197 d.C.,
Septímio empreendeu lutas externas. Caracala, após se desvencilhar do irmão,
também se lançou a operações de guerra. Nos dois governos, um mesmo inimigo antigo foi atacado: os Partos.


Império Parto.

No final do período republicano, quando os romanos buscavam o domínio sobre terras orientais, uma batalha perdida marcou o imaginário romano para sempre: a Batalha de Carrhae (Carras - Haran). Combatida e desastrosamente perdida em 53 a.C. por Marco Crasso (membro do Primeiro Triunvirato, junto com Cneu Pompeu e Júlio César), a batalha colocou em lados opostos os romanos e os partos, sob as ordens do general parto Surenas e do rei Orodes Arsácidas. Esta batalha nos foi relatada por Plutarco, na Vida de Crasso, integrante de suas Vidas Paralelas.
Segundo Plutarco, a expedição de Crasso contra os Partos foi uma grande tragédia, marcada pelo principal defeito deste romano: sua cupidez, sua avidez por riquezas. Após controlar a insurreição dos gladiadores de Cápua, cujo líder foi Espártaco (74 d.C.), Crasso recebeu do Senado o controle sobre a Síria e passou a sonhar com os caminhos traçados por Alexandre Magno, todos os tributos, riquezas e pilhagens que podiam ser conquistados se o território sob domínio dos romanos fosse expandido ate a Índia. Para se chegar até lá era necessário passar pelo território dos Partos, povo que nem sempre aceitava a interferência romana em seus assuntos internos. Ainda segundo Plutarco:

“A lei romana sobre as províncias não fazia menção à necessidade de uma guerra pártica, mas todos sabiam que Crasso andava obcecado por esta idéia. O próprio César, da Gália, escreveu-lhe uma carta aprovando o projeto e incitando Crasso à guerra. O tribuno da plebe Ateio tentou opor-se à sua partida, apoiado por muitos descontentes que não viam razão em hostilizar um povo inocente de qualquer falta contra Roma e a esta ligado por tratados.”

Assim, as batalhas a serem travadas contra os partos aparecem como decisões individuais de Crasso, baseadas em sua busca de riqueza. A guerra parecia desde o início fadada à desgraça, pois vários prodígios indicavam que a mesma não contava com o apoio das divindades. Antes mesmo da saída de Crasso da cidade de Roma, Ateio correu para os portões, acendeu um altar e procedeu a fumigações e libações para finalmente abrir-se em imprecações terríveis contra a guerra, feitas para divindades romanas e estrangeiras:

“Afirmam os romanos que essas imprecações antigas e misteriosas
possuem tamanha eficácia que ninguém que delas seja objeto pode
escapar-lhes, e que trazem desgraça também para aqueles que as
proferem, razão pela qual raramente são empregadas, e nunca
levianamente. Censura-se a Ateio ter nessa ocasião lançado sobre a
própria cidade, em nome da qual se indignava contra Crasso,
semelhantes imprecações e tamanho terror religioso.”


Além disso, o mar estava bravio e várias naus se perderam. Chegando a Brundísio, cruzou o rio Eufrates e passou a organizar a tomada de Zenodotia, na Mesopotâmia, cidade por ele pilhada, cujos habitantes foram vendidos como escravos, pois ao contrário de outras cidades, seus cidadãos se recusaram a se render voluntariamente aos romanos. Deste modo, Crasso aumentava seu patrimônio, o de seus soldados e a riqueza de Roma, além de politicamente se mostrar um feliz general e travar alianças no Oriente, por onde passavam importantes rotas comerciais. Ao invés de ocupar as estratégicas cidades de Babilônia e Selêucia, eternamente hostis aos partos, que como os romanos buscavam aliados no Oriente, ele preferiu ocupar novas cidades na Síria, por motivos mais econômicos que militares, segundo Plutarco.
Os partos tentaram lhe enviar embaixadores, propondo um acordo, mas Crasso preferiu continuar se preparando para a invasão da Pártia. Os sinais divinos contrários à empreitada também continuaram. Ao visitar o templo de Afrodite em Hierápolis, Públio Crasso, filho de Marco Crasso, escorregou diante da porta e seu pai acabou caindo sobre ele. Ao passar pela margem do rio Eufrates, na cidade síria de Zeugma, trovões repetidos produziram um terrível barulho. Quando oferecia o sacrifício expiatório habitual, deixou cair as entranhas das vítimas que o adivinho lhe estendia. Mesmo assim, Crasso continuou a marcha, contando com sete legiões e um corpo auxiliar formado por cavaleiros que haviam lutado sob ordens de seu filho nas batalhas de César na Gália.
Um chefe tribal árabe, de nome Abgar, convenceu Crasso a se afastar das margens do rio e a enveredar por uma ampla planície, na qual as tropas romanas foram atacadas pelos arqueiros e pelos cavaleiros partos.


Batalha de Carrhae, 53 A.D..

Os romanos ficaram atônitos ao terem que lutar em areais profundos, planuras sem vegetação e sem água. Os partos faziam grande algazarra, tocando tambores ocos cobertos de pele com martelos de bronze, com os quais produziam sons surdos e assustadores, observando que a audição era, de todos os sentidos, aquele que mais intensamente perturba a alma, provoca as emoções mais imediatas e põe o espírito fora de si.
Acostumados a lutar contra gauleses quase nus, as armas romanas não conseguiam perfurar as couraças partas, que protegiam homens e cavalos. Ao contrário, as flechas partas partiam todas as armaduras romanas (lorica squamata - couraça escamada que pesava doze quilos, posteriormente trocada pela lorica segmentata - couraça de lâminas que pesava só nove quilos).


Batalha de Carrhae, 53 A.D..

O movimento dos cavaleiros partos, em volta das tropas romanas dispostas num grande retângulo, levantava massas de areia que impediam os romanos de ver e gritar. Públio Crasso foi morto, sua cabeça foi cortada e exibida na ponta de uma lança. Crasso e seus homens entraram em pânico e resolveram fugir. Foram, então, atacados pelas costas, por um artifício chamado a partir deste momento de “flechas partas”. Os poucos soldados que sobraram resolveram fugir a noite do acampamento, deixando para trás os feridos. Crasso partiu na escuridão, pois sendo acima de tudo arqueiros, os partos precisavam da luz do sol para combater. Foi acolhido junto com os sobreviventes na cidade de Carras, de onde também fugiu à noite, tendo à frente Andrômaco, que a pedido dos partos jogou os romanos na região dos pântanos profundos.
Crasso acabou se rendendo aos partos. Surenas declarou que a partir daquele momento havia trégua e paz entre o rei Orodes, que havia aproveitado o confronto com os romanos para atacar a Armênia, e os romanos, mas que seria necessário avançar até o rio para pôr o acordo por escrito, “uma vez que vós, romanos, não tendes boa memória no que diz respeito a tratados”. Quando Crasso montou o cavalo para acompanhar Surenas, um parto chamado Exatres o matou, cortando-lhe a cabeça e a mão direita, enviadas ao rei Orodes. Segundo Plutarco, foi uma das piores derrotas dos romanos, com vinte mil mortos e dez mil prisioneiros, num momento em que estes se cobriam de vitórias.

Desta forma, não deve ser de estranhar que empreender guerras aos partos se revestia de um sabor especial para os romanos. Além de ser uma terra rica, de cidades antigas e pela qual passavam grandes rotas comerciais, a Pártia havia sido conquistada pelo macedônio Alexandre, em seu caminho para a Índia, o modelo preferencial dos imperadores romanos do Alto Império, e havia uma boa justificativa para empreender este combate, pois sempre se poderia vingar a derrota sofrida no passado. A Pártia era símbolo de uma Ásia remota e nunca completamente dominada nem mesmo por Alexandre. Acrescente-se que os romanos no Alto Império, com a diminuição das conquistas territoriais, buscaram fortalecer o limes com barreiras naturais como cadeias de montanhas e rios.

Portanto, dominar as regiões próximas aos rios Tigre e Eufrates se convertia numa empresa de defesa mais do que de ataque. Deste modo, não é de se estranhar que os severos travassem batalhas contra os partos. Septímio se dizia o continuador dos Antoninos, que também haviam enfrentado os partos. Severo mudou o nome de seu filho mais velho, Bassiano, para Marco Aurélio Antonino (196 d.C.) e proclamou-se filho de Marco Aurélio e irmão de Cômodo (197 d.C.), realizando uma adoção ao contrário. Caracala recebeu o título de imperator destinatus em troca do apoio que deu ao pai nas batalhas travadas no Oriente (197 d.C.). No bojo destes acontecimentos, Septímio mandou gravar em algumas epígrafes o epíteto de divo Nervae atavo, vinculando-se por meio deste expediente não somente a Marco, mas a toda dinastia antonina.
Para J. Rufus Fears, Septímio buscou apoiar suas pretensões dinásticas no nomem antoninorum, comparando a noção nomem com aquela de numem, como se a utilização do nome dos Antoninos em si fosse capaz de garantir a continuidade da paz e da prosperidade pelos deuses. Todavia, não foi apenas no nome que os primeiros Severos buscaram se aproximar da imagem dos Antoninos. Julien Guey, ao estudar o calendário de Feriale Duranum, percebeu que as legiões estacionadas em Doura-Europos, na Síria, festejavam o dies imperii de Caracala exatamente na mesma data do dies imperii de Trajano (28 de janeiro de 98 d.C. e 28 de janeiro de 198 d.C.), como se Caracala continuasse as conquistas feitas por seu antepassado, que também lutou contra os partos.

A guerra de Trajano contra os partos, travada entre 114 e 117 d.C., pode ser interpretada como uma tentativa de criar uma fronteira mais forte pela presença de barreiras naturais (rios Tigre e Eufrates), como aponta Edward N. Luttwak. Mas, além disso, revestia-se de outras cores. A região próxima à Pártia era repleta de “estados-clientes” de Roma, isto é, regiões ou cidades que se mantinham relativamente autônomas se respeitassem os acordos feitos com os romanos, que tinham que apoiar seus soberanos. Qualquer troca de chefes sem o acordo de Roma era encarada como declaração de guerra aos romanos.
Em 113 d.C., Chrosroe, rei dos partos desde 110 d.C., havia promovido uma troca de reis na Armênia, “estado-cliente” de Roma. Axidares, que contava com o apoio dos romanos, foi substituído no poder armênio por Parthamasiris, da família dos Arsácidas, reinante na Pártia. Em 114 d.C., legiões romanas, tendo Trajano à frente, invadiram a Armênia e a Mesopotâmia. Parthamasiris depositou seu diadema real aos pés de Trajano e pediu o aceite de Roma ao seu poder na Armênia. Todavia, Trajano percebeu que tal ato fortalecia por demais o poder dos partos sobre o Oriente e as legiões romanas acabaram por invadir e ocupar Ctesifonte, capital parta, promovendo a fuga do monarca e se apossando do trono de ouro do rei dos partos. Atacaram também a região de Adiabene (Assíria) e criou-se a província da Mesopotâmia/ Assíria, com a intenção de tributar as cidades da região recém-conquistada e controlar as rotas comerciais que vinham da Índia.
Antes de partir, Trajano coroou Parthamaspates rei dos partos e passou a considerar a Pártia “estado-cliente” romano. Ao retornar desta empreitada, Trajano morreu na Cilícia. As novas terras conquistadas se rebelaram, e seu sucessor, Adriano, preferiu abandonar as novas províncias, não sem antes refazer seus tratados com a Armênia e a região de Osroene, que considerava mais ricas e interessantes para os romanos.
Dion Cássio afirma que as batalhas de Trajano contra os partos foram uma empresa motivada simplesmente pelo seu desejo de glória. Contudo, parece-nos que Trajano queria, ao atacar os partos, garantir a predominância de Roma sobre os “estados-clientes” orientais, cuja ascendência disputava com os partos, proteger a recém empreendida conquista da Dácia com uma fronteira natural fluvial e se aproximar dos grandes feitos alexandrinos, mesmo tendo mais de sessenta anos de idade. Joel Le Gall e Marcel Le Glay defendem que a opinião romana, feliz com a conquista da Dácia, teria feito pressão sobre o Imperador para aproveitar a empreitada e eliminar o perigo pártico, povo visto como detentor de costumes exóticos e mentes traiçoeiras.

Os partos atacaram “estados-clientes” romanos em (161-162 d.C.), já no governo colegiado de Marco Aurélio e Lúcio Vero. O rei Vologeso III invadiu a Armênia e a Síria, procurando expandir os domínios territoriais partos. Foi o próprio Lúcio Vero quem foi à frente das legiões romanas enviadas para combater mais uma vez os partos. Novamente, Ctesifonte foi invadida, pilhada e destruída, mas a região permaneceu fora do limes, pois os partos aceitaram assinar um acordo no qual devolviam as regiões conquistadas previamente e entregavam aos romanos a cidade de Doura-Europos (166 d.C.). A cidade de Carras, de tão má lembrança para os romanos, foi reduzida à condição de colônia. Além disso, uma peste dizimou boa parte das legiões que estavam no Oriente e os Quados e Marcomanos atacaram a região do Reno-Danúbio. A ameaça parta permaneceu, assim, esporádica.

De acordo com Polieno, que escreveu sua obra Estratagemas após a vitória de Vero e Marco sobre os partos:

“A vitória contra persas e partos, sacratíssimos Imperadores Antonino e Vero, a obtiverdes com a ajuda dos deuses, de vossa virtude e do valor dos romanos, com os quais sempre, tanto antes como agora, podeis vencer as guerras e batalhas que se apresentam.”

Para se vencer um inimigo estrangeiro se deveria contar com a ajuda divina, a virtude e a autoridade humanas. E os Severos sabiam bem disso. Após o assassinato de Pertinax por membros dos Pretorianos, quatro homens receberam a aclamação imperial: Dídio Juliano, Septímio Severo, Pescênio Nigro e Clódio Albino. Severo somente conquistou o poder único e soberano após a realização de várias guerras civis. Entre as batalhas travadas contra as forças de apoio de Nigro e os combates contra os defensores de Albino, Septímio atacou os partos. Tornava-se necessário demonstrar aos romanos que Severo era capaz de vencer não apenas inimigos internos, mas também expandir o território romano. Só se ganhava fama e glória com ataques a povos estrangeiros, como indica Herodiano:

“(...) Querendo ganhar fama que não se limitasse a uma vitória civil contra exércitos romanos - vitória que o envergonhava celebrar como um triunfo - e desejando levantar troféus por seus êxitos frente aos bárbaros, apresentou como pretexto a amizade de Barsemio, rei de Hatra, com Nigro e iniciou uma campanha contra o Oriente.”

O mesmo desejo de glória aparece descrito na obra de Dion Cássio:

“Severo, com o desejo de conquistar a glória, empreendeu uma campanha contra os bárbaros - os osroenos, os adiabenos e os árabes.”

Quando começou o ataque a Nigro, Severo enviou cartas pedindo o apoio dos reis da Armênia, de Hatra e da Pártia. O rei armênio acusou neutralidade; o rei de Hatra enviou um grupo de arqueiros para apoiar Severo; e o rei dos partos pediu tempo para reunir um exército, tentando na realidade se esquivar da luta. Severo considerou isso uma traição.
Com a justificativa de perseguir os amigos de Nigro, que haviam fugido junto com ele em direção ao território parto (194 d.C.), Severo, sem atacar diretamente os partos, quis restabelecer a autoridade junto aos sírios, árabes e mesopotâmicos, que tinham aproveitado a desorganização imperial causada pelas guerras civis para se revoltarem. Como afirma Aristide Calderini, Severo quis empreender uma expedição punitiva contra soberanos e cidades orientais que haviam apoiado, direta ou indiretamente, Nigro: partos, armênios, adiabenos, osroenos, árabes.
Apesar de chamar a expedição de Pártica, Septímio e suas legiões atacaram as regiões de Osroene e de Adiabene, limítrofes com a Pártia, seguindo os passos de Trajano, anexando-as. A invasão foi feita no período menos propício e, pelo fato dos rios estarem vazios, vários barcos tiveram que ser carregados nas costas pelos soldados, seguindo-se as margens dos rios. Mas, para Dion Cássio, Severo estava protegido pelas divindades, pois, assim que ele ingressou no seco território oriental, um grande temporal atingiu suas legiões, que puderam fazer um suprimento de água.
Segundo Herodiano, com os soldados de Nigro, os partos e seus vizinhos aprenderam melhores técnicas de combate corpo a corpo, a se cobrirem com armamento completo e a fazer armas com tecnologia romana, o que os tornava muito mais perigosos em termos militares.
Severo teve que retornar a Roma rapidamente quando, em 196 d.C., Clódio Albino se fez proclamar Imperador na Bretanha, descontente de ter sido afastado da sucessão imperial pelo título de Imperator Destinatus concedido a Caracala após as batalhas no Oriente.

Com a eliminação de Albino em 197 d.C. e a reorganização das fronteiras no Ocidente, Septímio estava livre para consolidar a fronteira oriental, da qual tinha saído apressadamente. O próprio Príncipe capitaneou a invasão da Pártia. O rei parta Vologeso IV fugiu ao ser informado da entrada das legiões severianas em seu território, permitindo que Severo e seus soldados pilhassem Ctesifonte mais uma vez, em 197 d.C. Por isso e pelo fato de boas correntes marítimas terem conduzido os barcos de Severo até Ctesifonte, Herodiano afirma que foi mais por sorte do que por estratégia que foi celebrada a vitória contra os partos.
No ano seguinte, Severo recebeu do Senado os títulos de Parthicus Maximus, Arabicus e Adiabenicus, e após as operações bélicas proclamou Caracala Augusto e Geta César (Geta só viria a se tornar Augusto em 209 d.C.). Com esta vitória, Severo havia consolidado a fronteira oriental nos limites naturais impostos pelos rios Tigre e Eufrates, recriando a província da Mesopotâmia/Assíria, implantada anteriormente por Trajano. Voltou, então, para a região mesopotâmica para tentar conquistar Hatra por duas vezes, sem sucesso.
Destarte, como ressalta Dion Cássio, Severo não acreditou ser oportuna a conservação da conquista, visto que a expedição havia sido mais punitiva que de conquista e havia perdido um contingente muito grande de homens para ter que deixar muitas tropas tomando conta dos territórios recém-conquistados. Tanto que ele deixou apenas as legiões I e III Párticas na Mesopotâmia, e retornou junto com a II legião Pártica para Roma.

A partir de 214 d.C., Caracala, como seu pai e antecessor, empreendeu várias viagens ao Oriente, buscando se assemelhar a Alexandre Magno. Como indica Herodiano:

“De repente, ele se converteu num novo Alexandre. Por todos os meios restaurou sua memória e ordenou que em todas as cidades se pusessem suas imagens e estátuas”.

Todavia, esta decisão de Caracala não foi repentina. Ele havia mandado matar Geta e seu grupo de apoio, proclamado a Constitutio Antoniniana(212 d.C.) e precisava inspecionar as províncias e as legiões. Por isso, foi primeiro ao Ocidente e depois ao Oriente.
Caracala deixou Roma com sua mãe, Júlia Domna, e seu Prefeito do Pretório, Opélio Macrino, para empreender uma guerra contra armênios e partos, sonhando em repetir os feitos do macedônio Alexandre. Porém, quando chegou a Antioquia, o rei parto Vologeso V se apresentou a ele e lhe deu de presente a morte do rei da Armênia, Tirídate, que não andava respeitando as ordens romanas, e do filósofo cínico Antíoco, que havia feito críticas públicas ao governo de Caracala. Com isso, o Imperador não tinha mais justificativas para atacar a Pártia.
Em 216 d.C., o Príncipe deixou o Egito e retornou a Síria. Lá foi informado que Vologeso V havia sido destronado por seu irmão Artabano, contrário à manutenção de acordos com os romanos. Caracala, então, propôs casamento a uma princesa parta, querendo imitar Alexandre, que havia desposado Roxane, uma estrangeira, e por considerar a Pártia o único Império que havia rivalizado com Roma em toda a sua história. Como o rei parto Artabano V se negou a ceder uma de suas filhas, Caracala viu neste ato uma justificativa para invadir seu território e pilhá-lo. Para Herodiano, ele buscava a glória:

“Não muito depois (do massacre dos alexandrinos no Egito) lhe acometeu o desejo de receber o título de Pártico e de comunicar aos romanos que havia vencido os bárbaros do Oriente. Ainda que reinasse uma completa paz, ele maquinou um plano. Escreveu ao rei dos partos (...).
Na carta, lhe dizia que desejava casar-se com sua filha (...).
Dizia-lhe também que o império dos romanos e o dos partos eram os mais poderosos; que, se se unissem pelo matrimônio, estando apenas separados por um rio, constituiriam um único império invencível (...).
Ainda que os romanos tenham uma infantaria invencível no combate corpo a corpo com lanças, os partos contavam com uma numerosa cavalaria de provada pontaria com o arco. (...)
Por outro lado, as plantas aromáticas que crescem na terra dos partos ou os metais que fabricam os romanos ou seus apreciados produtos manufaturados já não seriam passados por contrabando pelos comerciantes em dificuldades e penúria, mas que ao serem um só território sob um só poder também se unificaria o consumo e se suprimiriam as travas comerciais.”


Desta forma, vemos como Herodiano identifica motivos políticos e econômicos para a invasão da Pártia. Caracala atacou Arbela, capital da região de Adiabene, permitindo que seus soldados pilhassem as tumbas dos antigos reis, fato que possivelmente desagradou às divindades, segundo Dion Cássio, pondo em perigo todo a atividade bélica.
Para Dion Cássio, a expedição de Caracala contra os partos e seus vizinhos foi tão sem atrativos, sendo apenas um empreendimento de pilhagem, que ele preferiu contar uma pequena anedota para rir da estupidez dos soldados de Caracala, em sua obra, ao invés de descrever as batalhas travadas:

“Não encontramos nenhum interesse especial no relato dos incidentes que marcaram esta campanha, exceto por uma pequena anedota. Dois soldados haviam pilhado juntos uma garrafa feita de pele contendo vinho. Cada um quis ficar com a garrafa e para isso procuraram o Imperador. Ele ordenou que eles dividissem igualmente o vinho. Cada soldado sacou de sua espada e cortou a garrafa ao meio. Percebendo que haviam perdido todo o seu conteúdo, fizeram uma pequena reverência ao Imperador, que ria, pois haviam exercido sua pequena inteligência ao perderem ambos tanto a garrafa quanto o vinho.”

Quando saía de Edessa para Carras (Assíria), pretendendo pedir a proteção da deusa Selene para a nova empreitada contra os partos, Caracala foi assassinado por ordem de Macrino, que preferiu um acordo com os partos (pagou duzentos milhões em moedas de prata e em presentes para que os partos desistissem de invadir a Mesopotâmia). O acordo foi considerado desastroso pelos romanos.

Os partos não invadiram mais territórios de “estados-clientes” dos romanos e acabaram sendo dominados pelos persas sassânidas em (224-226 d.C.). Os partos nunca se expandiram além da Síria e da Capadócia, mas sempre incomodaram os romanos, pois permaneceram sendo até o III século d.C. a única potência com certa importância no Oriente, capaz de incomodar os “estados-clientes” de Roma.
Nas obras do IV século d.C., aparecem referências a estas expedições párticas praticadas pelos primeiros Severos (Severo e Caracala). Por exemplo, Aurélio Victor indica que Severo demonstrou que era um general felix e sábio ao combater os partos e um bom administrador ao não tributar os adiabenos, percebendo que suas terras eram por demais estéreis devido à secura do seu território. Já na História Augusta, ressalta-se que após vencer os partos, Severo recebeu do Senado o direito de realizar um triunfo, mas declinou, pois não poderia se manter de pé durante todo o ritual, devido aos males que sua gota lhe causava. Até na passagem do V para o VI século d.C., na obra de Zózimo, Nova Historia, por exemplo, ainda se encontram referências aos feitos bélicos dos primeiros Severos contra os partos, demonstrando a permanência de sua importância no imaginário, sua inserção indubitável na memória política e bélica dos romanos.

Portanto, as incursões dos Severos nas terras partas buscaram garantir a soberania romana no Oriente, alem de enriquecer o aerarium com as pilhagens, agradar os soldados, demonstrar a coragem e a capacidade estratégica dos Príncipes e fortalecer os laços de Roma com seus “estados-clientes”. Conseguiram também inscrever seus nomes entre aqueles que pretenderam fortificar as fronteiras e vingar os romanos de desastres bélicos do passado.

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar algumas das várias batalhas travadas entre romanos e partos ao longo da República e do Principado, utilizando para tanto as obras de Plutarco, Dion Cássio, Herodiano, Polieno, Eutrópio, Aurélio Victor e Zózimo.
Palavras-Chave: História Romana; Atividade Militar; Império Romano.
ABSTRACT The objective of this article is to analyse some battles jointeds among romans and partians peoples during the Roman Republic and the Roman Empire, using the Plutarchus, Dio Cassius, Herodianus, Polienus, Eutropius, Aurelius Victor and Zozimus’ Works.
Keywords: Roman History; Military Activity; Roman Empire.

Um comentário:

Léo disse...

Puxxa Cara! Muito Bacana. Tô gostando muito desta página