terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Batalha de Alésia

Na Batalha de Alésia (actual Alise-Sainte-Reine, nas proximidades de Dijon), no ano de 52 a.C., os Romanos liderados por Júlio César venceram os Gauleses liderados por Vercingétorix.




Foi o último confronto armado das guerras gálicas, cujo fim marcou a conquista da Gália por Roma. Para esta última tentativa dos gauleses de expulsarem a ameaça romana, Vercingétorix reuniu sob o seu comando várias tribos num total de cerca de 80 000 homens e 12000 de cavalaria. O exército romano era constituído por entre 10 a 12 legiões romanas, mais auxiliares, num total de cerca de 50 000 homens comandados por Júlio César.

Para Alésia

Depois de um confronto com os Romanos, Vercingetorix e os Gauleses foram para Alésia, praça dos Mandubios, ordenando que o seguissem in continenti com as bagagens tiradas dos arraiais. Enviando sob a guarda de duas legiões as suas bagagens para uma colina, o perseguiu César enquanto durou o dia, e, mortos cerca de três mil da retaguarda dos inimigos, assentou no segundo arraiais junto de Alesia. Examinada a situação da praça e aterrados os inimigos por haver sido derrotada a sua cavalaria, força em que mais confiavam, exortou os soldados ao trabalho, e começou as suas linhas de circunvalação.

Inicia-se o cerco

Estava a praça de Alesia em posição mui elevada na cumeada de uma montanha, cujas raízes eram de dois lados banhadas por dois rios. Diante da praça estendia-se uma planície de cerca de três mil passos de comprimento: as mais partes eram circuladas por colinas de igual altura com medíocres intervalos entre si. Junto à muralha, toda a parte que olhava para o sol nascente, estava cheia de tropas gaulesas, protegidas por um fosso e um muro de pedra insossa de seis pés de altura. A circunvalação, que começavam a fazer os Romanos, era de onze mil passos em circuito. Os arraiais achavam-se assentados em lugares oportunos, e havia neles vinte e três redutos, onde de dia se postavam guardas, para evitar qualquer súbita sortida dos inimigos, e de noite sentinelas e fortes guarnições.

Começada a obra de circunvalação, deu-se um combate de cavalaria naquela planície, que, interposta as colinas, tinha três mil passos de extensão. Combate-se de ambas as partes mui esforçadamente. Achando-se os Romanos em aperto, manda-lhes César em auxílio os Germanos, e forma as legiões em batalha diante dos arraiais, para que se não desse alguma súbita investida da infantaria inimiga. Visto o auxílio das legiões, aumenta-se o ânimo aos Romanos; postos em fuga, embaraçam-se os inimigos por sua mesma multidão, e amontoam nas estreitas portas deixadas. Perseguem-nos os Germanos com ardor até os entrincheiramentos. Faz-se grande carnificina: tentam até alguns, deixando os cavalos, transpor o fosso e galgar o muro de pedra insossa. Manda César avançar um pouco as legiões, que formara diante do entrincheiramento. Não menos se perturbam os Gauleses, que estavam dentro das trincheiras: bradam armas, julgando se marchava contra eles in continenti; lançam-se alguns dentro da praça aterrados. Manda Vercingetorix fechar as portas desta, para não ficarem desertos os arraiais. Mortos muitos dos inimigos, e tomados não poucos cavalos, retiram-se os Germanos.

Vercingetorix encaminha um pedido de ajuda

Antes que fosse pelos Romanos concluída a circunvalação, toma Vercingetórix a resolução de despedir durante a noite a toda a sua cavalaria. Aos seus que partiam, recomenda-lhes: "Que vão cada qual para as suas cidades, e reúnam para esta guerra a todos os que estiverem em idade de pegar em armas. Põe-lhes diante dos olhos todos os serviços, que lhes havia prestado, e conjura-os a atenderem à sua segurança, e a não abandoná-lo aos inimigos, para sofrer torturas, a ele benemérito da liberdade comum; pois, se fossem negligentes em socorrê-lo, haviam de com ele perecer juntamente oitenta mil homens de flor. Que dado balanço nos bastimentos, mal tinha trigo para trinta dias, mas — esse podia aturar mais algum tempo poupando-se". Com tais recomendações, despede na segunda vela da noite a sua cavalaria em silêncio pela parte, a que não haviam ainda chegado às linhas de circunvalação. Ordena com pena de morte aos que desobedecerem, que lhe seja trazido todo o trigo que havia; o gado, de que os Mandubios tinham recolhido grande quantidade, o distribui a cada um parcamente, e por intervalos; a todas as tropas, que tinha em frente da praça, fá-las recolher para dentro dela. Tomadas estas providências, dispõe-se a esperar as tropas auxiliares da Gália, e a sustentar a guerra.

Sobre o cerco

Ao fato de tudo pelos trânsfugas e cativos, assentou Júlio César nestes gêneros de fortificação. Abriu um fosso de vinte pés de largura, cujos lados eram cortados a pique, e cuja profundidade igualava a largura. Quatrocentos passos por detrás deste colocou todas as mais fortificações, isto para que (pois se via obrigado a abranger tamanho espaço, que não podia facilmente guarnecer com soldados), de improviso ou à noite, não voasse alguma multidão de inimigos contra os entrincheiramentos, ou não pudessem de dia arremessar dardos contra os nossos ocupados no trabalho. No espaço que ficava de permeio, abriu outros dois fossos de quinze passos de largura, e profundidade igual, dos quais o interior em paragens campestres e baixas, encheu com água derivada do rio. Por detrás destes, construiu um terrado e trincheira de doze pés. A esta revestiu de parapeito e ameias, ficando nas junturas do parapeito com o terrado eminentes cervos, para dificultar a subida aos inimigos, e flanqueou toda a obra de torres, que distava oitenta pés, uma das outras.

Tendo a um tempo de cortarem madeira, de proverem-se de trigo e fazerem tantas fortificações, necessário era que as tropas romanas ficassem reduzidas, por amor das que com semelhante destino partiam para longe dos arraiais. Ensaiavam, entretanto, os Gauleses paralisar as nossas obras, fazendo sortidas em muito vigor por todas as portas da praça. Por isso entendeu César dever acrescentar às fortificações o que fosse necessário, para que pudessem ser defendidas por menor número de soldados. Assim, cortavam-se troncos de árvores com ramos muito firmes, que descascados se aguçavam em ponta, e faziam-se covas contínuas de cinco pés de profundidade. Nestas, lançavam-se aqueles estrepes, que se prendiam pela parte de baixo, para que não pudessem ser arrancados, e ficavam eminentes pela parte dos ramos. Havia deles cinco ordens conjuntas e entrelaçadas, nas quais quem entrava, achava-se cravado por agudíssimas puas. Chamavam-lhes cepo. Diante destes, em ordens obliquamente dispostas em quincunce, faziam-se outras covas de três pés de profundidade, e um pouco mais estreitas para baixo. Nestas se lançavam estrepes roliços da grossura da coxa com agudas pontas endurecidas ao fogo, os quais não saiam da terra mais de quatro dedos, e para cuja firmeza e estabilidade calcava-se um pé de terra em cada cova, sendo o resto para ocultar a cilada, coberto de vimes e mato. Havia deste gênero oito ordens, que distavam três pés umas das outras. Chamavam-lhes lírios pela semelhança com a flor. Diante destes escondiam-se enterrados, e espalhados por toda parte com pequenos intervalos, estrepes de um pé com pontas de ferro, aos quais chamavam aguilhões.

Concluído isto, acompanhando as paragens as mais planas segundo a natureza do lugar, e abrangendo um espaço de quatorze mil passos, fizeram em sentido oposto iguais fortificações do mesmo gênero contra o inimigo externo, a fim de que nem ainda por grande multidão, se acaso sobreviesse, pudessem ser cercadas as guarnições dos entrincheiramentos; e para que os nossos não se vejam obrigados a sair dos arraiais, ordena que todos se provejam de trigo e forragem para trinta dias.

O exército de socorro dos Gauleses

Enquanto estas coisas se passam em Alésia, os Gauleses, convocados a conselho os principais, resolvem não chamar a todos os que pudessem pegar em armas, como queria Vercingetórix, foram exigir de cada cidade um certo número de homens; pois receavam na confusão de tanta multidão, não poder disciplinar os seus, nem distingui-los dos outros, nem prover a todos de vitualhas. Dos Heduos e seus clientes Segusiavos, Ambluaretes, Aulercos Branovices, Branovios, exigem trinta e cinco mil homens; igual número dos Arvernos conjuntamente com os Eleuteros Cadurcos, Gabalos, Velavios, que estavam na sua dependência deles; dos Sequanos, Senones, Bituriges, Santonos, Rutenos, Carnutes, mil; dos Belovacos, dez mil; outros tantos, dos Lemovices; oito mil, dos Pictões, Turões, Parisios e Helvecios; dos Senones, Ambianos, Mediomatricos, Petrocorios, Nervios, Morinos, Nitiobriges, cinco mil; dos Aulercos Cenomanos, outros tantos; dos Atrebates, quatro mil; dos Veliocassos, Lexovios e Aulercos Euburovices, três mil; outros três dos Rauracos e Boios; trinta mil, de todas as cidades que vizinham com o Oceano e soem chamar Armoricas, em cujo número se compreendem os Curiosolites, Redones, Ambibarios, Caletes, Osismos, Lemovices, Unelos. Destes os Belocavos não preencheram o número exigido, dizendo que haviam de fazer a guerra aos Romanos em seu nome, e a seu arbítrio, sem obedecer a ordem de quem quer que fosse; sendo, porém, rogados por Comio, seu hóspede, enviaram dois mil homens.

Da fiel e útil coadjuvação deste Comio se tinha Júlio César, como acima ficou demonstrado, servido os precedentes anos na Britânia; por tão assinalado serviço lhe havia isentado a cidade de tributo, restituindo-a em seus direitos, e a mesma, sujeitado os Morinos. Mas tão geral era a conspiração da Gália para reaver a liberdade, e recuperar antiga glória das armas, que nem pelos benefícios, nem pela recordação da amizade, se demoviam os Gauleses; e todos concorriam para esta guerra com empenho e forças. Reunidos oito mil de cavalo, e cerca de duzentos e cinqüenta mil peões, nas fronteiras dos Heduos se fazia alardo destas tropas, verificava-se seu número, davam-se-lhes chefes. Ao Artrebate Comio, aos Heduos Vinidomaro e Eporedorix, ao Arverno Varcaci velauno, primo de Vercingetórix é conferido o comando supremo. Junta-se a estes os escolhidos das cidades, com cujo conselho devia a guerra ser feita. Partem todos para Alésia cheios de ardor e confiança, nem havia um só dentre eles, o qual julgasse poder suportar-se sequer o aspecto de tamanha multidão, principalmente em um combate duplo, pelejando-se da praça por sortida, e apresentando-se de fora tantas tropas de infantaria e cavalaria.

Situação em Alésia

Mas os que se achavam sitiados em Alésia, passado o dia em que aguardavam os socorros dos seus, consumido todo o trigo, ignorando o que se passava nos Heduos, deliberavam em conselho sobre a resolução que deviam tomar. E emitidos vários pareceres, dos quais uns propendiam para a rendição, outros, para a sortida da praça, enquanto havia forças para tentá-la, não devo passar em siléncio o discurso de Critognato, por causa da singular e nefanda crueldade do orador. Este, descendente de família muito preclara entre os Arvernos, e homem de grande autoridade, falou nesta substância: "Nada direi do parecer daqueles que dão o nome de rendição à mais vergonhosa escravidão, pois em minha opinião nem devem os tais ser considerados cidadãos, nem ter assento neste conselho. Respondo àqueles que opinam pela sortida, e em cujo alvitre parece, no sentir de todos, residir a memória do antigo valor. Fraqueza é, e não coragem, o não poder suportar por algum tempo a penúria. Mais depressa se encontra quem se ofereça à morte, que quem sofra a dor com paciência. Eu aprovaria certamente este parecer (tanto em mim pode o pundonor), se visse que nenhuma outra perda acarretava, senão a da nossa vida: mas no tornar uma resolução, atentemos em toda a Gália, que convocamos em nosso auxílio, Que ânimo julgais que teriam nossos parentes e consangüíneos, se, mortos estes oitenta mil homens num lugar, se vissem obrigados a combater quase sobre os seus mesmos cadáveres? Não priveis do vosso auxílio aqueles, que por vossa causa desprezaram o seu perigo, nem vades por vossa estultícia, temeridade ou fraqueza, perder a toda Gália, e submetê-la à escravidão. Porque não vieram no dia aprazado, duvidais por ventura da fidelidade e constância deles? Como assim? Julgais que os Romanos se empregam quotidianamente naquelas fortificações ulteriores para mostrar ânimo? Se fechada toda a entrada não podeis ser certificados por correios que a vinda dos vossos se aproxima, sabei-o pelo testemunho dos mesmos, que sobressaltados com o temor dela, nem dia nem noite interrompem o trabalho da fortificação. Qual é, pois, o conselho que dou? Fazer o mesmo que fizeram nossos antepassados em guerra de nenhuma sorte igual, a dos Cimbros e Teutões, na qual compelidos para as praças e coagidos por igual penúria, sustentaram a vida com os corpos dos que pela idade pareciam inúteis para a guerra, e não se renderam aos inimigos. Se disto não tivéssemos exemplo, julgaria eu, todavia, mui belo instituí-lo e transmiti-lo aos vindouros, por amor da liberdade. E que houve jamais semelhante àquela guerra? Assolada a Gália, e ocasionada grande calamidade, retiraram-se por fim os Cimbros de nossas fronteiras, e demandaram outras terras; direitos, leis, território, liberdade, tudo isso nos deixaram. Mas os Romanos que outra coisa exigem, ou querem, a não se fazer assento, levados da inveja, nas terras e cidades de todos os que depararam nobilitados e potentes pelas armas, impondo-lhes o jugo de uma eterna escravidão? Nunca fizeram a guerra com outro pressuposto. Se ignorais o que vai pelas nações longínquas, atentai na vizinha Gália, que reduzida a província, com a jurisdição e as leis mudadas, e sujeita às segures , vê-se opressa com perpétua escravidão."

Expostos os pareceres, resolvem que os que, por doentes ou em razão da idade, eram inúteis para a guerra, se retirem da praça, e exponham antes a tudo, que a sofrer as conseqüências do parecer do Critognato: que, se o caso o requeresse, e os auxílios se demorassem, devia-se, todavia, lançar antes mão daquele alvitre, que renderem-se e sujeitarem-se a uma paz ignominiosa. Os Mandubios, que os haviam recebido na praça são obrigados a sair com mulheres e filhos. Aproximando-se das fortificações romanas, pediam estes em lágrimas com todo gênero de súplicas, que os socorressem com alimento, recebendo-os por escravos. Mas César, dispostas guardas nas trincheiras, vedava que fossem recebidos.

A chegada do exército de socorro dos Gauleses

Entretanto, Comio e os mais chefes, a quem fora conferido o comando supremo, chegam com todas as tropas a Alésia, e ocupando uma colina exterior, acampam a não mais de mil passos das fortificações romanas. No dia seguinte, tirando a cavalaria dos arraiais, enchem toda aquela planície, e nas alturas pastam as tropas de pé um pouco encobertas deste lugar. Havia vista de Alésia para o campo. Correm, avistadas estas tropas auxiliares; congratulam-se entre si; excitam-se à alegria os ânimos de todos. Tiram pois as tropas da praça, e postam-nas junto aos muros; cobrem com grades o próximo fosso, e enchem-no com fachina; preparam-se para a sortida, e todas as ocorrências.

Inicia-se a batalha

Disposto todo o exército a uma e outra parte das fortificações, para, quando fosse necessário, ocupar cada um e conhecer o seu lugar, manda Júlio César sair dos arraiais a cavalaria, e travar combate. Havia de todos os arraiais, que de quaisquer partes ocupavam alturas, vista para o campo, e todos os soldados esperavam atentos o êxito da batalha.




Tinham os Gauleses intermeado entre os de cavalo raros arqueiros e soldados armados à ligeira, que socorriam aos seus que cediam, e sustentavam o ímpeto dos cavaleiros romanos. Muitos destes se retiravam feridos da peleja. Acreditando irem os seus de cima, e vendo serem os Romanos assoberbados pela multidão, de todas as partes os Gauleses, não só os da praça, como os que tinham vindo em auxílio deles, não cessavam de animar os seus com clamor e ululo. Como a ação se passava à vista dos dois campos, nenhum ato de covardia ou de bravura podia ficar oculto; eram uns e outros estimulados ao valor, já pelo desejo de glória, já pelo temor da ignomínia. Combatendo-se quase desde o meio dia até o pôr-do-sol com duvidoso resultado, os Germanos, por uma parte, lançaram-se em esquadrões cerrados sobre os inimigos, e os rechaçaram; postos estes em fuga, são os arqueiros envolvidos, e mortos. Da mesma forma os nossos, pelas demais partes, os perseguiram até os arraiais e não lhes deram tempo de tornar a reunir-se.

Mas os que tinham saído de Alésia, quase perdida a esperança da vitória, retiraram-se tristes para dentro da praça. Metido de permeio um dia, e aprestado neste espaço grande número de grades, escadas, harpeos, saem os Gauleses dos arraiais em silêncio à meia noite e aproximam-se de nossas fortificações que olhavam para o campo. Levantado de repente clamor, pelo qual os que estavam sitiados na praça, soubessem da aproximação deles, entram a lançar grades nos fossos, a arredar os nossos das trincheiras com fundas, setas, pedras, a dispor tudo o mais que respeitar a um assalto. Ao mesmo tempo, ouvido o clamor, dá Vercingetórix sinal aos seus com a trombeta, e fá-los sair da praça. Como nos precedentes dias, tomam os nossos nas fortificações o lugar que a cada um havia sido assinado: com fundas, seixos de librar, e azagaias, que nelas tinham disposto, e com pelotas aterram os Gauleses. Tirada a vista pelas trevas, recebem-se muitas feridas de parte a parte. Muitos arremessões são arrojados pelos tormentos. Mas os lugar-tenentes M. Antonio, e C. Trebonio, a quem coubera a defesa destes postos, quando entendiam estarem os nossos sendo apertados em algum ponto, dos fortes mais distantes tiravam destacamentos, que lhes enviavam em socorro.

Enquanto os Gauleses estavam mais longe das fortificações, causavam-nos mais dano com a multidão de projéteis; depois que chegaram para mais perto, ou sem saber nos estrepes se feriam, ou caindo nas covas, se espetavam, ou atravessados de pilos murais lançados da trincheira e torres, pereciam. Depois de recebidas de toda a parte muitas feridas, sem tomarem ponto algum fortificado, ao aproximar-se o dia, temendo que, por sortida dos arraiais superiores, os atacássemos pelo flanco aberto, retiraram-se para os seus. Mas, os de dentro da praça, enquanto tiravam para fora o que Vercingetórix tinha aprestado para a sortida, cegam os primeiros fossos e nisso se demoram, antes que chegassem às nossas fortificações, reconheceram haverem-se retirado os seus Assim voltam para a praça, sem levar a sortida a efeito.

Repelidos duas vezes com grandes perdas, deliberam os Gauleses sobre o que lhes convém fazer; chamam os conhecedores dos lugares: deles sabem qual a situação e fortificação dos arraiais superiores. Havia para o setentrião uma colina, que pela grandeza do circuito não tinham os nossos podido compreender na circunvalação: viram-se pois obrigados a fazer arraiais em lugar quase desvantajoso e docemente inclinado. A estes ocupavam os lugar-tenentes C. Antistio Regino e C. Caninio Rebilo com duas legiões. Conhecidos os sítios pelos exploradores, os generais inimigos escolhem entre todas as tropas sessenta mil homens daquelas cidades, que tinham a maior nomeada de bravura: combinam entre si secretamente o que, e como convenha obrar; designam para o ataque a hora do meio dia. A estas tropas prepõem o Arverno Verassivelauno, um dos quatro generais, parente de Vercingetórix. Saindo dos arraiais na primeira vela da noite, e concluindo o caminho quase ao nascer do dia, ocultou-se ele por trás da montanha e ordenou aos soldados que repousassem do trabalho noturno. Como pareceu apropinquar-se meio dia, avançou, para aqueles arraiais que acima dissemos, e entraram ao mesmo tempo, a cavalaria a aproximar-se de nossas fortificações que olhavam para o campo, e as mais tropas a mostrar-se em frente dos arraiais.

Ao ver da cidadela de Alésia os seus, sai Vercingetórix da praça, levando dos arraiais as longas hásteas aguçadas, as galerias cobertas, as foices e o mais que tinha preparado para a sortida. Combate-se ao mesmo tempo em todos os lugares, e tenta-se tudo: se alguma parte parece menos forte, contra ela se corre. O exército romano, distribuído por tantas fortificações, não acode com facilidade a muitos mais pontos. Aterra, sobremodo, aos Romanos o clamor que no combate se lhes levantou pela retaguarda, porque vêm a sua segurança posta na bravura alheia, sendo que o perigo em distância se nos figura ordinariamente maior.

De um lugar sobranceiro que ocupa, nota César o que se passa em cada ponto; envia socorro aos que vê em aperto. A nenhum dos dois exércitos escapa ser esta a ocasião em que deve empregar maior esforço para vencer: aos Gauleses, se não escalarem as nossas fortificações, nenhuma esperança lhes resta de salvação; aos Romanos, se bem as defenderem contra a escalada, se depara o termo de todos os trabalhos. As fortificações superiores, para onde dissemos haver sido enviado Vercassivelauno, são as que se acham em maior risco. A desigual sumidade de colina, em cuja encosta se acham assentadas, é para elas ameaçador padrasto. Uns arrojam projéteis de cima, outros acercam-se das trincheiras, formando testudes, revezam-se os fatigados por assaltantes de fresco. O terrado que todos lançam sobre o espaço fortificado, não só proporciona subida aos Gauleses, como inutiliza as ciladas que haviam os Romanos ocultado na terra; aos nossos, nem armas, nem forças, são já suficientes.

Ciente disto, manda César a Labieno com seis coortes em socorro aos que se acham em aperto, ordenando-lhe que, se não puder sustentar o assalto, faça uma sortida com as coortes, mas isto em caso extremo. Vai ter com os demais, e exorta-os a não sucumbirem ao trabalho, demonstrando-lhes que deste dia e hora, está pendente o fruto de todas as precedentes batalhas. Os da praça, desesperando de forçar as posições, que olhavam para o campo, por causa da grandeza das fortificações, tentam escalar as das alturas: para aí transportam quanto haviam preparado. Com uma nuvem de dardos desviam aos que combatiam das torres, cegam os fossos com terrados e grades, cortam a trincheira e o parapeito com foices.
Manda para ali primeiramente ao adolescente Bruto com seis coortes, depois ao lugar-tenente C. Fabio com outras sete, por fim, tornando-se a peleja mais acesa, conduz em pessoa tropas frescas de reforço. Restabelecida a peleja, e rechaçados os inimigos, dirige-se para onde enviara a Labieno; tira quatro coortes do próximo forte; ordena a parte da cavalaria que o siga, a parte que torneie as fortificações exteriores, e acometa o inimigo pela retaguarda. Depois que nem baluartes, nem fossos, podiam resistir à força dos inimigos, Labieno reúne quarenta coortes, que o acaso lhe ia deparando dos fortes mais vizinhos, e comunica a César por expresso o que entende deve fazer-se. Dá-se César pressa, a fim de assistir à batalha.

Conhecida a sua vinda pela cor do vestido, que costumava usar nas batalhas por insígnia e avistados os esquadrões de cavalaria e as coortes, que mandara segui-lo, porquanto das alturas se devassavam os lugares declives, por onde vinha, travam os nossos a batalha. O clamor que se levanta de ambas as partes, é seguido de outro levantado das trincheiras e de todos os fortes. Omitidos os pilos, atacam os Romanos à espada. De repente, avista-se a cavalaria pela retaguarda; vêm chegando outras coortes. Os inimigos voltam costas; aos que fogem sai ao encontro da cavalaria. Faz-se grande carnificina. Sedulio, caudilho e principal dos Lemovices, é morto; o Arverno Vercassivelauno é tomado vivo na fuga; setenta e quatro signas militares são apresentadas a César; de tamanho número poucos dos inimigos se recolhem aos arraiais sem feridas. Os da praça, vendo a mortandade e fuga dos seus, retiram as tropas de junto das nossas fortificações, sem mais esperança de salvação. Faz-se logo, ouvido isto, fuga dos arraiais Gauleses. E se os soldados não estivessem cansados dos freqüentes reforços e do trabalho de todo o dia todas as tropas inimigas poderiam ter sido destruídas. A cavalaria enviada à meia noite alcança a retaguarda dos inimigos; grande número é aprisionado e morto; os que restam da fuga retiram-se para suas cidades.

A rendição de Vercingetórix


Vercingétorix se rende a César.


No seguinte dia Vercingetórix, convocado conselho dos seus, demonstra-lhes que havia empreendido a guerra, não por interesse seu particular, mas pela liberdade comum, e pois que se tinha de ceder à fortuna, se lhes oferecia para uma das duas coisas, ou para com a sua morte satisfazerem aos Romanos, ou para o entregarem vivo aos mesmos, como melhor entendessem. São a tal respeito mandados embaixadores a Júlio César, que ordena sejam entregues as armas e trazidos à sua presença os chefes, Estabeleceu o mesmo o seu tribunal num forte em frente dos arraiais: são para ali levados os chefes; rende-se-lhe Vercingetórix, são depostas as armas. Reservando os Heduos e os Arvernos, a ver se por eles recobrava as respectivas cidades, o restante dos cativos o distribuiu por cabeça a cada soldado a título de despojo.

Concluído isto, parte para os Heduos; recebe a submissão da cidade. Mandados para ali, os embaixadores dos Arvernos, prometem fazer quanto lhes ordenasse. Exige-lhes grande número de reféns. Envia as legiões a quartéis de inverno. Restitui aos Heduos e aos Arvernos cerca de vinte mil cativos. A T. Labieno, com duas legiões e a cavalaria, manda-o partir para os Sequanos, dando-lhe por adjunto a M. Sempronio Rutilo. Ao lugar-tenente C. Fabio e a L. Minucio Basilo, com outras duas legiões, coloca-os nos Remos, para que não venham estes a sofrer alguma invasão dos Belovacos comarcãos seus. A C. Antistio Regino, a T. Sextio, a C. Caninio Rebilo, cada um com uma legião, envia-os o primeiro para os Ambilaretos, o segundo para os Bituriges, o terceiro para os Rutenos. A Q. Tulio Cicero e P. Sulpicio, coloca-os em Cabilão e Matiscão entre os Heduos junto ao Arar, a fim de que entendam no abastecimento de víveres. Resolve o mesmo invernar em Bibracte. Recebidas estas comunicações de César, fazem-se súplicas públicas em Roma por vinte dias.

Vercingétorix foi exibido na concatenação de quatro triunfos de Júlio César em Roma e foi executado na Prisão Mamertina.

Fonte: Wikipédia

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