segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Altar da Vitória



Durante séculos, os senadores romanos prestaram juramento solene junto do altar da Deusa da Vitória, existente na Sala do Senado, em Roma. Recitando orações imemoriais e com libações de vinho e incenso, os poderosos “claríssimos” honravam assim as antigas divindades pagãs.

No século IV, o imperador Constantino mandou retirar o Altar da Vitória. Seria reposto alguns anos depois, por Juliano – apelidado “O Apóstata”, devido à sua tentativa de restabelecer o paganismo com religião oficial do império. Todavia, apenas duas décadas depois, no ano 382 da nossa era, o imperador Graciano voltou a mandar retirar o altar.

Ora apesar destas decisões imperiais, a maioria da aristocracia senatorial era ainda assumidamente pagã. E já no reinado de Valentiano II, sucessor de Graciano, quatro deputações de notáveis pagãos imploraram ao imperador que recolocasse o altar. O seu líder era o senador Símaco, Prefeito da Urbs, pontífice, áugure e Procônsul de África, um dos mais respeitados nobres romanos. Símaco defendeu a reposição do altar em termos eloqüentes: “Concedei, imploro-vos, que nós, que somos velhos, possamos deixar para a posteridade aquilo que recebemos em rapazes”. E continuava: “Todas as coisas estão cheias de Deus e não há lugar que seja seguro para os perjuros, mas o receio da transgressão é grandemente espicaçado pela presença da divindade”. De seguida, Símico invocava a própria Aeterna Roma:

“Deixai que use as minhas cerimônias ancestrais – diz ela -, pois que delas não me arrependo. Deixai-me viver à minha maneira, pois que sou livre. Foi este o culto que expulsou Aníbal das muralhas de Roma e os Gauleses do Capitólio. É para iso que me mantendes, para ser castigada na minha velhice? (...) Apenas peço paz para os deuses dos nossos antepassados, os deuses nativos de Roma. Está certo que aquilo que todos adoram seja considerado um só. Todos contemplamos as mesmas estrelas. Todos temos o mesmo céu. O mesmo firmamento nos abarca a todos. Que interessa qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade? Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo. Tudo isto é matéria de discussão para homens ociosos. O que apresentamos a vossas majestades não é um debate, mas um pedido.”

A resposta a Símaco veio da parte de Santo Ambrósio, Bispo de Milão e mentor espiritual do imperador Graciano:

“Porquê citar-me os exemplos dos antigos? Não há mal nenhum em mudar para melhor [nullus pudor est ad melora transire]. Tomemos o exemplo dos antigos dias de caos em que os elementos voavam por todo o lado, numa massa desordenada. Pensemos em como o tumulto se apaziguou na nova ordem dum mundo e como esse mundo desde então se desenvolveu, com a invenção gradual das artes e os avanços da história humana. Suponho que, nos velhos tempos do caos, as partículas conservadoras se terão oposto ao advento da nova e vulgar luz do Sol que acompanhou a implantação da ordem. Mas, mesmo assim, o mundo avançou. E nós, cristãos, também crescemos; e a grande diferença entre nós e vós é que o que vós procurais por conjecturas nós conhecemos. Como posso fazer fé em vós quando confessais que não conheceis o objecto do vosso culto?”

Será interessante contrapor a abertura de espírito de Símaco (“Que interessa qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade? Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo”), às certezas absolutas e dogmáticas de Ambrósio (“a grande diferença entre nós e vós é que o que vós procurais por conjecturas nós conhecemos”). Esta batalha entre o cristianismo “dogmático” e o paganismo “tolerante” foi vencida pelo primeiro. E o seu desfecho condicionaria a história política e religiosa da Europa no milênio seguinte, tal como a evolução das artes, da filosofia e da ciência.

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