sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sarmizegetusa: vingança à romana

Quinze anos depois de serem derrotados de forma humilhante,
os romanos retornaram à Europa Central e conquistaram Sarmizegetusa, a capital dos dácios



Coluna de trajano.

Assim já era demais. Os dácios haviam passado dos limites. Separados do Império Romano pelo Danúbio, os bárbaros da atual Romênia já haviam atravessado o rio anteriormente para saquear a Mésia, hoje norte da Bulgária. Mas o assalto do ano 85 foi ultrajante: não contentes em destruir as fortalezas e roubar o que podiam, daquela vez os invasores assassinaram o governador da província, Appius Sabinus. A resposta de Roma foi enérgica, porém tardia: as legiões enviadas à Mésia encontraram as terras já abandonadas pelo inimigo. Um ano depois elas retornaram e invadiram a Dácia. O que se seguiu foi a mais humilhante derrota de Roma para os bárbaros desde a emboscada de Teutoburgo, no ano 9.

As legiões penetraram na região montanhosa crentes de que aquele seria mais um passeio, e não propriamente uma batalha. Para elas, os bárbaros não eram páreo para o exército romano, formado por soldados profissionais. E mais: à frente da invasão punitiva estava ao líder da tropa de elite romana, Cornelius Fuscus. Mas a certeza de uma vitória fácil levou à imprudência. Os romanos avançaram precipitadamente, atravessando a região de Banat e transpondo sem resistência os chamados “Portões de Ferro da Transilvânia”. E só então os dácios atacaram. Com dois importantes fatores ao seu lado – o conhecimento do terreno e a competência militar de seu rei, Decébalo –, a vitória dos dácios transformou-se num massacre: duas legiões foram perdidas e seus estandartes, capturados. Conelius Fuscus teve o mesmo destino de seus homens: sucumbiu ao ataque bárbaro.

Seguiram-se uma nova expedição romana e um tratado de paz com sabor amargo. Os dácios não só conservaram sua independência como receberam auxílio econômico de Roma. Mas ter a honra maculada era algo inaceitável para os romanos. “A defesa da honra e o sacrifício patriótico eram valores muito arraigados na cultura romana”, explica William James, especialista em Roma Antiga do Southside Virginia Community College, Estados Unidos. Quinze anos depois, o imperador Trajano, que mais tarde levaria Roma à sua máxima extensão territorial, quebrou o acordo de paz e invadiu novamente a Dácia, desta vez com um único objetivo: tomar a capital, Sarmizegetusa.

O rei Decébalo, no entanto, era um brilhante estrategista e contava com tropas disciplinadas e fiéis. E, com a ajuda de aliados sármatas e germânicos, contornou as tropas do império e atacou mais uma vez Mésia, abandonada pelo exército imperial. Mas Decébalo não venceu a batalha. Trajano, então, dividiu suas legiões em duas frentes. Uma, enviada em missão de socorro à Mésia, conseguiu aniquilar os invasores, sobrecarregados com a carga saqueada da província. A outra ficou em território dácio por mais um ano, esperando o momento certo de revidar. No ano de 102 as legiões se puseram em marcha e, uma a uma, as cidades dácias foram caindo. Decébalo foi obrigado a assinar um tratado de paz que transformou seu reino em um mero protetorado romano, selando o fim da independência de seu povo.


Cena da batalha de Adamclisi.

Esse episódio ficou registrado para a posteridade na Coluna de Trajano, que até hoje pode ser admirada em uma pequena praça no centro da capital italiana.


Legionarios em combate, Segunda Guerra Dacia, c. 105 d.C..

Sarmizegetusa, no entanto, não foi poupada. Os romanos queriam a Dácia como província, e não como mero protetorado. Em 105, Trajano atacou novamente. Desta vez foi até o fim. Sarmizegetusa foi arrasada e a nobreza dácia, perseguida. Decébalo, por sua vez, preferiu se suicidar a ser capturado e exibido como troféu em Roma. A Dácia, porém, era um território muito difícil de ser defendido. Apesar de todo o esforço para tê-la em mãos, 165 anos depois tornou-se a primeira província a ser abandonada pelo Império Romano.

Bárbaros, mas não muito




Originários da Trácia, atual Bulgária, os dácios ocupavam a montanhosa área que corresponde hoje à Romênia, na Europa Oriental. Considerados um povo numeroso à época, eram constantemente acossados por germânicos na fronteira ao norte e por sármatas, a leste e a oeste. Ao sul, o rio Danúbio os separava do Império Romano, um ótimo alvo para saques e pilhagens, especialmente no inverno, quando raramente se combatia.“A Coluna de Trajano representa os dácios segundo os estereótipos da época: cabelos longos, barba, vestidos com túnicas e calças e equipados com escudos”, afirma Patrick Receveur, autor de uma tese sobre a conquista da Dácia. “Os líderes se diferenciam dos demais por terem a cabeça coberta”, explica. Geralmente lutavam a pé (recorriam a aliados quando precisavam de cavalaria), usando dardos e espadas curtas ou ainda a falx, uma espada curva pesada. Embora não construíssem pontes ou máquinas de guerra como catapultas e torres de assalto, dominavam técnicas de construção de fortalezas.

A diplomacia dácia também era bastante refinada. Feito o acordo de paz com os romanos em 89, os assaltos ao império cessaram e não foram mais retomados, sinal da disciplina das tropas e do rígido controle do rei sobre seu exército. Os dácios também eram considerados adversários respeitáveis. Isso se explica em parte por sua adoração ao deus Zalmoxis, que, segundo sua mitologia, conferia imortalidade aos soldados mortos em combate. Daí os dácios exibirem uma certa indiferença em relação à morte.

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