terça-feira, 30 de março de 2010

A gestão pública de Diocleciano

Uma análise detalhada sobre as atitudes gestoras estratégicas do Imperador Diocleciano no Séc. III, implantou reformas econômico-administrativa, militares, políticas, judiciárias e financeiras, transformando o Império em crise, reerguendo-o e sustentando-o durante 20 anos, favorecendo principalmente as pessoas de baixa renda.




INTRODUÇÃO

Diocleciano nascido perto de Salona na Dalmácia (hoje Split ou Spalato, cidade e porto da Croácia), foi filho de escravos "seu pai obteve a liberdade para a família e logo conseguiu o oficio de escriba", tornou-se cônsul no governo de Aureliano, sendo conseqüentemente incentivado por seu pai a seguir carreira das armas com o intuito de construir fortuna, distinguiu-se mais como estadista do que guerreiro e por seus talentos na guerra Persa que eram mais úteis do que esplêndidos, além de possuir uma mente vigorosa, aperfeiçoada pela experiência e pelo estudo dos homens, sagacidade e diligência no trato de assuntos práticos como sensata mistura de liberdade e economia, de brandura e rigor, profunda dissimulação sob a capa de fraqueza militar, mantendo a firmeza na perseguição dos seus objetivos, mas com flexibilidade no variar os meios.(GIBBON, 1989, p.139)

CRISE DO SÉC. III

Ao assumir o cargo de imperador romano no Séc. III, Diocleciano encontrou o império em crise econômica que abalou as estruturas de produção, devido ao aumento contínuo das taxas de impostos administrativos, altas despesas burguesas em habitação nos centros urbanos, desvalorização da moeda, deterioração das condições de vida das classes inferiores pelo difícil acesso a folles de bronze, encarecimento dos produtos e substituição do pagamento em dinheiro por produtos, o que ocasionou a decadência do comércio. Conseqüentemente os trabalhadores rurais retornaram para suas propriedades tornando-se autosuficientes, no entanto, outros agricultores que se julgavam explorados pela elevação dos preços das matérias-primas abandonaram o solo e passaram a praticar o saque juntamente com o banditismo e a pirataria, isso, influenciou diretamente a atividade artesanal gerando a decadência urbana representada pela paralisia do artesanato e do comércio.

AS ESTRATÉGIAS ADMINISTRATIVAS IMPLANTADAS

REPRESENTAÇÃO EFETIVA

O imperador representava o poder de forma alegórica, pois quem dominava e comandava as províncias era o Senado, apenas após Diocleciano assumir o poder em 17 de novembro de 284, na cidade asiática da Nicomédia, o imperador passou a ter uma representação efetiva no governo e na administração.

TETRARQUIA

Instituiu a tetrarquia ao associar a três colegias ao exercício do poder supremo, e como estava convicto de que os talentos de um só homem seriam insuficientes para a defesa pública, considerava a administração conjunta de quatro príncipes não como um expediente temporário, mas como uma lei fundamental da organização do Estado. Dividiu em duas partes ocidental e oriental cada uma delas foi governada por um Augusto, a Ocidental com capital em Roma, no entanto Maximiano instalou-se em Aquiléia ou Milão e a Oriental com Diocleciano instalada na Nicomédia, associando seu governo a um César, Galério em Sirmio e Constâncio em Tréveros, destinados a ser o seu sucessor deveriam assegurar à onipresença do governo sem que houvesse verdadeira partilha territorial, sendo as decisões políticas tomadas pelo acordo dos Augustos e pela legislação comum a todo o império. (GIBBON,1989, p.154)


As dioceses na nova divisão tetrárquica do Império Romano
implantada por Diocleciano por volta de 300 d.C.

Reorganizou a administração do império romano proporcionando uma representação mais efetiva do governo na administração de um território muito extenso, dividindo-o em quatro prefeituras, subdivididas em 13 dioceses com 116 províncias cada, para enfraquecer o poder dos governadores respectivos, tinha consciência de que os talentos de um só homem seriam insuficientes para a defesa pública. Valorizava o trabalho em equipe delegando funções específicas de acordo com o perfil de seus colaboradores, com isso, ele conseguiu reduzir o surgimento de possíveis revoltas.

RESTABELECIMENTO DA ECONOMIA

Diante do intenso comércio de metais preciosos com o Extremo Oriente e na tentativa de restabelecer o poder da economia romana, Diocleciano realizou uma reforma econômica-administrativa, que pretendia reativar a vida econômica do Império resolvendo as questões tributária e monetária, restaurando o valor das moedas de prata e de ouro ao diminuir a quantidade agregada de ouro nas moedas, mas mantendo seu valor nominal emitindo moedas de ouro e prata, colocando em circulação peças divisionárias de bronze, com uma fina cobertura de prata, estas moedas serviam para as operações quotidianas facilitando o troco, segundo JUNGE (1994, p.98), esta moeda fora depreciada e muitos comerciantes se negaram a aceitá-la como pagamento, paralelamente, emitiu o aureus, de 1/60 libra, de ouro.


Moedas cunhadas durante
o governo de Diocleciano.

Neste período houve a necessidade de ampliar as casas de cunhagem, a fim de satisfazer as necessidades do comércio, da construção de obras públicas e aumento do número de militares e civis de todos os graus.

REFORMA TRIBUTÁRIA

Promoveu reformas tributárias com impostos diferenciados de acordo com as classes sociais, pois queria inovar o sistema financeiro e econômico do Império, sendo obrigado a recorrer ao sistema de pagamento em espécie (in natura) e ao sistema de trabalho forçado. Fazia-se um recenseamento geral da população de cinco em cinco anos, segundo o estado de seus bens, era taxada o imposto de acordo com as diversas contribuições in natura estabelecida pelo governo a cada quinze anos. Por exemplo: os agricultores pagavam em graus, vinhos, azeite, carne, etc., e os grandes proprietários respondiam pelo pagamento total dessas contribuições. Já o pagamento em espécie só era pago pelos negociantes e artesãos das cidades.

AGRICULTURA, COMÉRCIO E SEGURANÇA

A questão da agricultura deveria ser solucionada, pois era tida como o fundamento da manufatura onde se extraia da natureza a matéria-prima, a medida empregada foi a ruralização, que consistia no arrendamento das terras aos camponeses, agricultores e arrendatários, devendo pagar a anona, imposto sobre a produção agrícola anual, favorecendo a substituição do trabalho escravo pelo colonato, mas para evitar o calote foram impedidos de abandonar as propriedades e quebrar o contrato de arrendamento das terras, assim, as vilas rurais começaram a produzir o necessário para a sua auto-suficiência.

O desenvolvimento da agricultura, do artesanato, o comércio e da pecuária, ao permitir a instalação de germânicos pacíficos próximo à fronteira como agricultores ou soldados na defesa da fronteira romana. As grandiosas realizações da época como as estradas, aquedutos e magníficos trabalhos de arte tinham sempre em vista o fim político, nunca o econômico, pois era necessário garantir com rapidez, segurança, o transporte e o abastecimento das tropas até aos locais mais afastados do Império, para que pudessem promover vigilância e fiscalização.

COOPERATIVA

Os plebeus dos grandes centros urbanos do Império passaram ter uma representação política que refletisse a nova realidade econômica. Estes deveriam permanecer em suas profissões, transmitindo-as a seus descendentes e formarem ou associar-se a um collegia, corporação que reunia os trabalhos de um mesmo ramo de atividades rendosas.

EDITO MÁXIMO


Edito Máximo.

Em 301, Diocleciano lançou o Edito Máximo de Preços com o objetivo principal de restabelecer a economia do Império, reduzindo a inflação e conter à alta dos preços ao fixar um limite de ganhos dos salários sobre a jornada de trabalhos e os preços máximos para os produtos de consumo, combatendo a ação dos atravessadores. Na Sicília, o Estado foi obrigado a regulamentar a produção agrícola de cereais e a troca de produtos, impedindo que os lavradores vendessem suas colheitas aos atravessadores, portanto os compradores oficiais de Roma deveriam controlar a semeadura, fiscalizar a colheita e monopolizar os transportes, dando ênfase à qualidade do desenvolvimento da produção e do comércio.

EMPREGO

Gerou vários postos de trabalho e empregos através dos investimentos nas construções ou ampliação de viadutos, arcos triunfais, edifícios imperiais, obras públicas, aquedutos, pontes, estradas, circos para a apresentação de peças teatrais, imensas abóbadas, dentre outros feitos pelos arquitetos romanos, como banheiros públicos, padarias comunitárias, alfaiates, artesãos e ferreiros, etc.

REDUÇÃO DE CUSTOS E POUPANÇA

Para reduzir os custos, foi utilizado como alternativa o concreto por ser um material mais barato juntamente com os tijolos, revertidos por mármore nos edifícios importantes, sendo habitações mais modestas de tijolos, ladrilhos, pedregulhos, estuque, que consistia na massa para o revestimento preparado com gesso, água e cola utilizada como pintura das paredes. Logo após terem sido pagas todas as despesas em curso, o que sobrava no tesouro imperial constituía em uma ampla reserva, podendo ser utilizadas tanto para liberdades sensatas, quanto para estabelecer a uma emergência do Estado.

MOBILIDADE SOCIAL

Beneficiou a mobilidade social, ao permitir aos plebeus dos grandes centros urbanos do Império a oportunidade de tornarem-se imensamente ricos, elevando o nível de vida através dos grandes lucros que obtinham do trabalho e aplicação de todo o capital em atividades rendosas, tais como, a cobrança de impostos, fornecimento de gêneros alimentícios para o exército durante as campanhas militares, arrendamento da exploração de minas e florestas pertencentes ao poder público, resultando na circulação de dinheiro e progresso econômico do Império.

EMPREENDEDORISMO

Diocleciano criou os banhos públicos como forma de lazer que chegavam a reunir até 3 mil pessoas que se encontravam para conversar em salões centrais refrigerados. Lá não eram apenas locais onde as pessoas tomavam banho, mas também havia bares, restaurantes, barbeiros, livrarias, bordéis, casa de massagem, loja de roupas, espaços para prática de esportes, piscina, área para exercícios de ginástica e salas aquecidas. Sendo o teto em arco cruzados e decorados com mosaicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reinado de Diocleciano encontrava-se no período de sucessos ininterruptos, depois de ter vencido todos os seus inimigos e realizados todos os seus objetivos, ele começou a pensar seriamente em abdicar do império. Em 1º de março de 305 abdicou em uma cerimônia a cerca de cinco quilômetros de Nicomédia, retirando-se para a Dalmácia. Sua Gestão foi um grande exemplo de como gerir um órgão público em plena decadência, restabelecendo-o de forma simples e prática, podendo servir como base de experiência, inovadora, criativa e empreendedora.

.:: Artigos Netsaber

O Legado Romano para o Ocidente



De forma consensual encontramos na historiografia atual toda uma cadeia de processos que construíram as bases da idade média e como a decadência do império romano do ocidente contribuiu para essa construção. Tentaremos neste texto explicar, baseado em uma análise interpretativa da obra: Origens da Idade Média de William Carroil Bark, entender como a fase final de Roma influenciou todo o período medieval que o seguiu.

Constituímos, em geral, uma idéia de surgimento da idade média, como sendo a decadência da civilização, representada na figura do império romano e com isso o surgimento de um tempo marcado pela “retração civilizatória” do mundo em meados do século V.

Entretanto o que devemos nos perguntar é em que situação o império se encontrava? Quais as causas que o levaram a uma situação de decadência em que ele estava submetido entre o final do século II e o inicio do século IV? E por final o que as medidas tomadas no campo social, político, econômico, pelos imperadores influenciaram no futuro de Roma?

Ao tentar responder estes questionamentos é que iremos desenvolver uma analise querente e nós perguntarmos mais uma vez, se a Idade Média não foi a melhor saída para o caos que se instalara na Europa, pois “a regressão da civilização do ocidente, partindo do nível romano foi uma ocorrência feliz”.

Grande parte do mundo durante o final do século II se encontrava dominado pelo império romano, que nesta época possuía a sua maior extensão, entretanto a situação política em que se encontrava não era de grande estabilidade.
A morte de Marcus Aurelius Commodus Antoninus, mais vulgarmente chamado, apenas, de Cômodo marca o fim da idade dos antoninos, dando inicio a um período de incertezas e grande crise em todo o império. Após a breve dinastia dos severos em que houve um substancial aumento nos conflitos com os bárbaros e problemas com a sucessão dos imperadores, viu-se o império entrar pelo século III em varias guerras civis, travadas entre os pretendentes ao trono romano, que em sua maioria eram generais dos exércitos, constituindo assim uma série de governantes de uma anarquia militar. Com essa crise instalada, podemos dizer que “ela destruiu as bases da vida econômica, social e intelectual do mundo antigo”.

Em 285 d.C. surge a figura de Diocleciano considerado um dos grandes reformadores do império romano juntamente com Constantino, que se tornou imperador tempos depois.
A política exercida por esses reformadores, ao mesmo tempo em que permitiu um maior controle do estado, sobre ele mesmo e sobre seus invasores, o dividindo em regiões administrativas, formando uma tetrarquia e separando o oriente do ocidente. Também instituiu uma forma de governo baseado na opressão de todos que viviam em seu território. Criando leis que posteriormente constituiriam os alicerceis para o surgimento da Idade Média.

“A unidade política e a centralização que nos séculos posteriores, medievais, eram inteiramente impossíveis, já começavam a desaparecer das partes do império localizadas na Europa ocidental em fins do séc.III, e o caminho estava preparado para os reinos medievais e o lento processo de adaptação, chamado feudalismo”.

Outro fator importante que se deu na política dessa época foi à adoção do cristianismo por Constantino que não podia mais negar a força que a religião cristã se tomou dentro do império, fazendo assim com que o os motivos para manter a unidade romana mudasse de foco. “Permitindo substituir a unidade política romana pela unidade religiosa cristã” .
As mudanças políticas introduzidas em todo esse período não podem ser pensadas se não em conjunto com as mudanças sócias e econômicas que as mesmas causaram.

Com a separação do império em ocidental e oriental verificamos que houve o estabelecimento de uma crescente desigualdade entre as duas partes. Já verificada que as maiores cidades estavam no lado oriental e a grande concentração do ouro de todo império também fazia parte do oriente. Por outro lado o ocidente estava sofrendo cada vez mais com os bárbaros e com as modificações políticas impostas desde Diocleciano. “As destruições provocadas pelas guerras civis e invasões do séc. III de nossa era parecem ter sido particularmente severas na Gália, sem dúvidas porque esta era uma das mais ricas e economicamente mais produtivas partes do ocidente e, portanto a mais vulnerável” .

Com o lado ocidental bastante afetado economicamente podemos notar que a economia natural passou a ter um caráter cada vez mais efetivo na vida do cidadão romano, tirando de forma intensa, mais não total, o foco da economia baseada no ouro. Não que o império nunca tivesse experimentado esse tipo de economia, podemos ate dizer que a construção econômica do império oscilava entre os dois tipos, mais não tanto quanto agora.
O oriente estava mais bem adaptado à nova realidade imposta pelas reformas e de certa forma mantendo-se em pé. Porém vale salientar que “é sabido que Constantinopla escapou a captura varias vezes, em parte pelo suborno dos prováveis atacantes com ouro, ao passo que o ocidente tinha que vencer tais dificuldades sem essa vantagem... O Oriente podia comprar a proteção com o dinheiro, o Ocidente, mais pobre não podia, e por isso sofreu o que o primeiro evitou” .

Um dos fatos, mas marcantes nas reformas estabelecidas pelo império, foi à dura imposição na criação de impostos e as medidas atreladas ao aparelho estatal para garantir seu recebimento. Com as crescentes invasões bárbaras e um aumento na cobrança dos impostos o povo estava saindo do império, para conter este êxodo, foram estabelecidos artifícios legais que fixavam o homem a terra e as cidades, transformando as atividades tanto urbanas quanto rurais em funções hereditária, criando assim um sistema de castas. Com essa violenta supressão da liberdade individual, o homem livre da época se transformou em servo do Estado. Surgia a servidão. Os ideais greco-romanos de uma comunidade de cidadãos livres desapareceram.

Voltando ao campo econômico e a questão do crescente desenvolvimento da economia natural, observamos que ela se baseia na auto-suficiência, no comércio de trocas e agora , para infelicidade do estado, no pagamento de impostos.

“Assim, apesar das reformas de Diocleciano e Constantino, o movimento de repulsão a economia monetária não podia ser detido e o imposto sobre a terra era freqüentemente pago in natura”.

Diante desta crescente opressão, onde os colonos não tinham mais capacidade de produzir nada além do que lhes era suficiente para pagar os impostos, observamos, mais uma vez, que a estrutura que se montava era em direção de uma total derrocada do lado ocidental. Isso fica evidente nas palavras de William Carroil Bark, quando ele diz que: “o estado era incapaz de ajudar o fazendeiro independente pelas quais, ele, como o colonus, tinha poucas soluções a sua frente... Para homens que tinham família, até mesmo a fuga para o banditismo estava fora de cogitação.

De qualquer forma, o que ocorreu é evidente: um número cada vez maior de agricultores em dificuldades aceitava a proteção de potentados feudalistas capazes de desafiar o estado, e com isso praticamente se vendiam a servidão”. .
Evidenciamos mais uma vez um grande indicativo na direção de uma grande mudança social, que notadamente esta relacionada à extinção de uma classe média, o desaparecimento das pequenas propriedades, compradas pelos grandes latifundiários e o grande aumento do poder da aristocracia agrária.

Diante de tantas causas e conseqüência, encontradas para dar sustentação ao surgimento das características que compunham o momento de transição entre o fim do império romano e o início da idade média, podemos agora tentar refutar a afirmação feita no inicio do texto, em que dizemos que a única saída para Roma é a Idade Medieval.

Isso fica claro quando analiticamente verificamos que não foi o feudalismo que construiu uma sociedade relativamente pobre, esfacelada, sem unidade e de base agrárias, mais sim podemos indicar como criador dessa realidade o império romano, que dentro do seu espirilo belicista e conquistador não teve o cuidado e destreza necessária com seu povo e os povos conquistados, os tratando de forma violenta e opressora, fazendo com que as estruturas sócias, políticas e econômicas se fundissem na realidade medieval.

Entretanto o que fica claro é que todas essas mudanças causaram, segundo as palavras de Rostovtzeff, “uma lenta e gradual modificação, uma transferência de valores na consciência dos homens” fazendo com a mudança se tornasse estrutural e não parte de uma mera conjuntura.
Vemos ai como a liderança romana no ocidente foi se deteriorando ao mesmo tempo em que produziu seu legado para o futuro.

.:: Brasil Escola

sábado, 27 de março de 2010

A Tragédia de Pompéia

Nas horas que se seguiram à erupção do Vesúvio, morreram 16 mil habitantes de Pompéia, praticamente 80% de toda a população


Cinzas e lama moldaram os corpos das vítimas,
permitindo que fossem encontradas do modo
exato em que foram atingidas pela erupção
do Vesúvio, cujo vulto vê-se ao fundo.

Nas horas que se seguiram à erupção do Vesúvio, morreram 16 mil habitantes de Pompéia. Hoje, é possível reconstituir esta tragédia passo a passo, como se estivéssemos presentes.

Pompéia, uma cidade de 20 mil habitantes, produtora de vinho e azeite, vive hoje, 24 de agosto de 79 d.C., um dia de festa. Um grupo de teatro vindo de Roma deve se apresentar no Grande Teatro. Começando por volta das 11 horas da manhã, o espetáculo deve durar, como sempre, até a noite. São um pouco mais de dez horas.

Os padeiros, com suas cestas de doces nos braços, se dirigem às arquibancadas. Diante das thermopolia, bares ao ar livre da Antigüidade, os consumidores terminam de beber suas últimas taças de posca e as lojas começam a descer as persianas de madeira, sinal de fechamento. O dia está bonito e, como na véspera, se anuncia quente.

De repente, ouve-se uma explosão. Espanto! Num instante, todos estão na rua. Espetáculo alucinante, o topo do Vesúvio havia se partido em dois. Uma coluna de fogo escapa dali. É uma erupção! De início, todos se assustam e se interpelam. Havia pelo menos 900 anos que o vulcão não dava sinais de vida. Dizia-se que ele estava extinto. Logo depois é a agitação. Em volta começa a desabar uma chuva de projéteis: pedras-pomes, lapíli e, às vezes, pedaços de rochas - fragmentos arrancados do topo da montanha e da tampa de lava resfriada que obstruía a cratera.

Num instante, as praças e ruas se esvaziam. Aqueles que não moram no bairro correm para se refugiar sob uma abóbada, um pórtico, qualquer abrigo, enquanto outros se apressam em correr para se proteger em casa. O que fazer, pensam, a não ser esperar? O bombardeio terminaria mais cedo ou mais tarde. Durante 20 minutos, a erupção faz misérias, cobrindo a cidade com 2,60 metros de escórias. Em seguida, uma poeira arenosa toma o lugar das pedras-pomes e os lapíli diminuem. A esperança aumenta. Alguns audaciosos arriscam até a colocar o nariz para fora. Do Vesúvio sai somente uma coluna de fumaça. Mais um pouco de paciência e tudo deverá voltar ao normal.

DESTRUIÇÃO

Assim, duas horas se passam. O que fizeram os habitantes de Pompéia durante este período? Não se sabe muito. Em compensação, sabemos o que fez o Vesúvio. No interior da cratera, após a expulsão da tampa de lava, a pressão começou a cair vertiginosamente. O magma vulcânico, que dormia há séculos, começou lentamente a espumar e, às 13 horas, rasgando o ar, destruindo as casas, virando de ponta-cabeça as colunas dos pórticos, saiu bruscamente numa série de explosões. Do vulcão vê-se escapar uma nuvem monstruosa em forma de pinheiro - um cogumelo, como nós diríamos hoje. E, subitamente, fez-se noite em pleno dia. Uma noite marcada com alguns raios lívidos. As cinzas agora caem na forma de uma chuva tão densa que obscurece o sol.

Infelizmente, a chuva não é somente densa: ela está carregada de vapores clorídricos. É pela intoxicação por gás, e não por soterramento, que morrerão as pessoas em Pompéia. A primeira guerra química contra o homem foi feita pelo Vesúvio. Só agora, enfim, os habitantes de Pompéia decidem fugir. Mas eles haviam perdido duas horas preciosas. Abandonando seus abrigos, suas casas, tomando ou não o cuidado de levar consigo seus tesouros, milhares se dirigem às portas da cidade nesta noite negra.

Aqueles que moravam no noroeste se precipitaram naturalmente para a porta de Herculanum. Alguns carregavam diante de si uma lâmpada a óleo, como se uma chama pudesse resistir algum tempo àqueles ventos, àquela chuva viscosa de cinzas. A maioria colocou sobre a boca uma almofada ou uma telha encontrada pelo caminho. Mas será que alguém pode se defender contra um inimigo que se insinua em todas as partes através de uma fina poeira carregada de vapores clorídricos?
Nessa escuridão varrida por um vento de tempestade, fragilmente iluminada de vez em quando por projéteis de fogo, não há mais pobres ou ricos. Somente sombras que se debatem, desesperadas, umas contra as outras e que tropeçam nas escórias ou sobre o corpo de alguém agonizando após ter sido abatido pelo furor do Vesúvio. Em sua pressa de chegar mais rápido, alguns chegaram até a tirar as roupas e correm nus.

À porta! Chegar até ela antes que os destroços voando das casas nos derrubem, antes que a chuva de cinzas nos asfixie! E à porta, à porta miraculosa, a maioria chegará. Mas não será a porta do Paraíso, será a porta do Inferno!

O vento soprava do noroeste e vinha do Vesúvio. Sair pela porta de Herculanum significava ir em sua direção, ou seja, jogar-se numa tempestade que nenhuma construção ou abrigo poderia amenizar. Sufocados e cegos, aqueles que depois de tantos esforços tinham conseguido atravessá-la têm apenas um desejo: dar meia- volta e encontrar o que, no instante anterior, parecia o paroxismo do horror. Mas como lutar contra a multidão que sobe? Mulheres, crianças tentam e são imediatamente pisoteadas.

ABRIGO

E assim, por ironia, em meio ao pânico generalizado, é nos jazigos pelo caminho que os vivos vão buscar abrigo. Uma mulher que carregava uma criança corre para se abrigar num mausoléu, mas este desaba sobre ela. Um grupo de quatro pessoas, dentre as quais uma mulher ricamente enfeitada - apertando um bebê contra o seio -, se refugia com pressa sob o pórtico de uma tumba. Mas o pórtico também desaba e mata a todos. A Via dos Sepulcros nunca mereceu tanto o seu nome como neste dia! Os banqueteiros se reuniram num triclínio fúnebre. Estendidos sobre seus leitos de repouso, eles honram a morte. Celebrando o soterramento de um parente, é o deles próprios que terminarão por celebrar.

Mas voltemos à multidão desesperada que procurava chegar até as outras portas da cidade. No sudeste, a porta Marina estava particularmente lotada. Longe do Vesúvio e da direção do vento, ela levava ao mar aberto, à salvação. Primeiro passaram por ela todos os que passeavam ou trabalhavam no Fórum, ou ainda aqueles que tinham ido banhar-se nas termas. Em seguida, no momento do pânico geral, veio juntar-se a eles a multidão que tinha abandonado as casas e os casebres. Cheia de esperança, a massa de fugitivos despenca para além da porta, pela ladeira que conduz ao Sarno, e depois segue pelo caminho que acompanha o curso do rio.

Ontem, nesse mesmo caminho, quando ocorrera a procissão de Ísis, muitas e muitas vezes eles pararam ali para rir, cantar e descansar. Hoje correm o mais rápido que lhes permitem os montes de entulho. Vários tropeçam, sem dúvida, mas logo se levantam, pois a menos de um quilômetro encontrarão o mar, um barco e a fuga. Enfim, ofegantes, os primeiros fugitivos chegam ao porto. Ao porto? Ondas de vários metros de altura batem na areia. O mar está muito agitado. Navegar? Como e com o quê? Todos os barcos foram destruídos. Desse lado não há saída. Então novamente se produzem as cenas de confusão cujo teatro é a porta de Herculanum. Aqueles que queriam dar meia-volta deparam com a massa que tenta descer.

DESESPERO

Na noite escura, no meio de assovios do vento que, à beira do mar, recobrou toda a sua fúria, eles se esmagam uns contra os outros. Muitos morrerão pisoteados. Morte relativamente doce, no entanto, se pensarmos que, nessa mesma margem, todos os sobreviventes terminarão com os pulmões tomados de gases. Não havia porta de salvação para os habitantes de Pompéia. Chance de salvação só houve para aqueles que moravam no sul e no sudeste da cidade. E, ainda assim, somente se eles não tivessem demorado para fugir e, durante a fuga, tivessem passado pela porta de Nocera em vez da porta de Stábia. A porta de Stábia também tinha sido soterrada. Mas essa dupla condição foi poucas vezes encontrada. Desse lado, portanto, foram igualmente numerosas as cenas de desolação.

Na grande palestra (ginásio), a erupção surpreendeu os pedreiros em pleno trabalho. Durante alguns instantes eles permaneceram sob os pórticos. Em seguida, um deles teve uma idéia: a latrina. Ela poderia, com efeito, representar um abrigo seguro contra o bombardeio das escórias. Eles correram para lá e se trancaram. No início, demonstraram altruísmo. Quando outros que tiveram a mesma idéia vinham bater na porta, eles abriam. E assim, rapidamente eles se julgaram bastante numerosos e não abriram mais. Quantos, rejeitados desta forma, morreram esmagados pelas colunas do pórtico vizinho? Não se sabe com certeza. De qualquer modo, a julgar pelas ossadas, foram muitos. Mas foi possível reconstituir a agonia de três pessoas, pois, ao asfixiá-las, as cinzas moldaram seus corpos.

Os operários que tinham se trancado não foram salvos por seu egoísmo. Em sua latrina estavam abrigados do bombardeio de escória, mas não da chuva de cinzas. Quando esta se infiltrou, todos pereceram, até o último. Mas muitas outras ossadas foram encontradas no interior e nas proximidades da grande palestra - inclusive mais aqui do que em todos os outros lugares, mostrando que mesmo nesse bairro rico, assim como nas insulae pobres, a maioria não pôde se salvar a tempo. Quando a erupção começou, eles se fecharam, como os ricos, em suas casas. Depois a chuva de cinzas começou, então fugiram. Em família, em grupos patéticos de quatro, cinco ou seis pessoas: o pai, a mãe e os filhos.

Às vezes duas famílias - sem dúvida vizinhas de porta - se uniram, como se este fato tornasse a salvação mais segura. Quando tinham o cuidado de levar consigo seus tesouros, estes não representavam grande coisa: algumas jóias de pouco valor, pouco dinheiro, às vezes absolutamente nada. Pessoas simples, portanto, que, antes de sufocar, caíam ou se lançavam de boca no chão.

Mesmo a porta de Nocera não foi para todos a porta da salvação. Um jovem casal chegou até ela e conseguiu mesmo atravessá-la. Como os outros, os dois se trancaram em casa durante o primeiro bombardeio de pedras-pomes. Agora, para avançar, tinham de lutar contra essa tempestade de cinzas que cega, que se cola à pele e queima a garganta. Grande, vigoroso, com corpo de atleta, o homem caminha na frente, tentando abrir passagem para sua companheira em meio dos montes de lixo. De repente, a mulher cai com o rosto no chão e não consegue mais se levantar. O homem quer ajudá-la, mas também cai. Num último esforço, suas mãos tentam unir-se, mas a chuva de cinzas lhes nega este último favor.

Mas de todas estas histórias da porta de Nocera o mais patético é, sem dúvida, o que segue. Trata-se de 13 pessoas que formavam três famílias - duas famílias de fazendeiros e a família de um comerciante. Eram vizinhos que moravam perto e, provavelmente, se entendiam muito bem. Quando o bombardeio começou, eles conversaram e decidiram se refugiar na casa mais sólida. Depois, quando a chuva de cinzas começou decidiram fugir. Todo o campo já estava coberto de uma mortalha de detritos. Cegos, sufocando, eles pegaram o caminho que passava diante de suas casas. Em primeiro lugar vinha um escravo levando nos ombros um saco de provisões. Atrás dele, dois meninos de 4 a 5 anos caminhavam de mãos dadas para dar coragem um ao outro; tinham colocado sobre eles um pedaço de tela e eles procuravam colocá-la sobre a boca. Em seguida vinham seus pais, o pai ajudando a mãe, sem dúvida uma inválida, a continuar a caminhar. A segunda família era composta de um jovem casal e de uma menina. Cada um protegia a boca com um pedaço de tecido. Enfim vinha a família do comerciante: duas crianças com 10 anos que também estavam de mãos dadas, uma menina mais nova que a mãe conduzia e depois o pai.

E estas 13 pessoas, nessa tempestade de cinzas, nessa noite escura, no meio da escória, continuavam seu caminho. Como poderiam pensar em escapar com crianças tão pequenas? Eles continuavam porque o homem não se resigna facilmente à idéia de morrer imóvel.

RESQUÍCIOS

Vinte séculos mais tarde, nós os encontramos, modelados pelas cinzas, na mesma posição, com as expressões de seus últimos momentos, uns curvados sobre si mesmos, outros estendidos, seja de costas, seja com o rosto contra a terra. Os meninos de 4 a 5 anos tinham as feições calmas; as crianças com 10 anos, os membros entrelaçados, ainda segurando as mãos uma da outra. Quanto ao mercador, caído sobre os joelhos, o braço direito apoiado na terra, as costas estendidas, tentava ainda se levantar quando a morte tomou conta dele.
Tais foram, portanto, as tristes histórias que as diversas portas contaram aos escavadores quando estes as descobriram.

Mas as casas tiveram igualmente inúmeros dramas para contar, pois muitos dos habitantes de Pompéia não se resignaram a abandonar seus bens. Quantos esqueletos intactos ou mutilados foram encontrados nas casas! No subsolo, no térreo, no primeiro andar e mesmo sobre os telhados, já que alguns não hesitaram em subir para a parte mais alta de suas casas, na tentativa de escapar à invasão crescente dos resíduos.

Na propriedade chamada de Diomedes, no Caminho das Sepulturas, o pai fez sua família descer ao porão: uma galeria cuja iluminação provinha de aberturas em sua abóbada e onde ele conservava suas ânforas de vinho com as pontas enterradas no chão. Na pressa, sua mulher passou em volta do pescoço um pesado colar de ouro e nos braços, pulseiras. Sua filha também colocou suas jóias mais preciosas; ele mesmo colocou numa sacola todo seu dinheiro líquido: dez moedas de ouro e 88 moedas de prata com a efígie de Nero, Vitélio e Vespasiano.

E, com boas provisões de pão, frutas e outros alimentos diversos, eles esperam. As horas passam. Eles estão seguros, ou pelo menos acreditam estar. Mas o ar começa a piorar cada vez mais. O pai decide investigar. Com uma chave na mão, seguido por um escravo, ele sai. Uma vez do lado de fora, a chuva de cinzas o sufoca imediatamente. Ele morre. Mas os reclusos da galeria não serão protegidos tampouco.

Impalpável, a cinza não pára de penetrar pelas aberturas, cinza carregada de vapores clorídricos. A moça tenta em vão proteger a cabeça com sua túnica, e os companheiros tentam, também em vão, cobrir o nariz e a boca com tecidos. Séculos mais tarde, os 18 esqueletos serão descobertos, incluindo o de uma criança.

Uma descoberta mais surpreendente ainda aconteceu um pouco mais longe, na propriedade chamada de Mistérios. Na entrada da galeria subterrânea onde se refugiaram os operários que trabalhavam em sua reforma os escavadores foram obrigados a recuar imediatamente. Após tantos séculos, os vapores deletérios ainda estavam ali. Tão presentes que só foi possível enfrentá-los com máscaras contra gás.

Durante todo o dia 24 e todo o dia 25, e ainda no dia 26, a chuva de cinzas não parou. Quando, enfim, na aurora do dia 27, o sol reapareceu, o Vesúvio tinha mudado de forma. Ele possuía agora um topo duplo e, no lugar da antiga cratera, um cone havia se formado. Quanto aos habitantes de Pompéia, 80% deles - 16 mil numa população de 20 mil - jaziam a vários metros de profundidade. A cidade estava morta, mas uma morte que a tornaria imortal.

.:: Revista História Viva

terça-feira, 23 de março de 2010

O Egito Romano

Trinta anos antes da era cristã, Cleópatra VII, a última governante ptolomaica estava morta. O Imperador Augusto havia posto o Egito sob o governo romano. Uma terra cheia de prestígio, fácil de defender e capaz de produzir quantidades enormes de alimentos




O Egito em que os romanos chegaram era muito parecido com o país dos tempos faraônicos remotos, um país definido pelo rio Nilo, que cortava o deserto de norte a sul, com alguns quilômetros de terra cultivada. O rio dividia a região a norte da cidade de Mênfis, que era muito grande e já havia sido a capital real, em duas partes principais; as outras cidades localizadas entre estas duas zonas, junto com elas, formavam o Delta, que era intensamente cultivado. No Egito a agricultura dependia da cheia anual, que nos melhores anos levava água aos locais mais distantes das áreas cultivadas e cobria o solo com o fértil lodo do Nilo. O rio era rico em peixes, comidos frescos, defumados ou usados na produção de temperos. As principais plantações eram de trigo, uvas para fazer vinho em quantidades enormes, especialmente no final do período romano. Nos pântanos do Delta, crescia o papiro. A maioria das pessoas vivia em aldeias na zonal rural e muitas nas principais cidades de cada nomo, que se tornaram vilas de crescimento, poucas avenidas principais retas normalmente flanqueadas por edifícios públicos e pontilhadas de templos. Alexandria era um grande armazém, que não fabricava nada muito importante, mas recebia e exportava os produtos do Egito e os materiais exóticos da Índia e do Oriente, trazidos nas épocas das monções aos portos do Mar Vermelho e transportados para o Nilo por todo o deserto.

O Domínio Romano

O Egipto era um trunfo muito especial para o imperador, pois era um país cheio de prestígio, fácil de defender e fornecia o trigo necessário a Roma.

Uma terra capaz de produzir quantidades enormes de alimentos e fácil de defender não se poderia tornar uma base para nobres ambiciosos: ela seria governada por um prefeito.

O imperador era representado por um prefeito da ordem equestre, da sua confiança, instituído de amplos poderes administrativos, jurídicos e militares.

O prefeito regia com a ajuda do exército, em pequenas unidades espalhadas pelo país. Precisa garantir a coleta de impostos e o transporte de grãos, para alimentar os romanos em sua terra natal.

Para o Egito como um todo a conquista Romana acabou por ser benéfica, ao menos inicialmente. Se por um lado o país, pela primeira vez desde o domínio Persa, voltava a ter um Faraó que não residia no Egito (o Imperador Romano tomou para si o título de Faraó), por outro, passava a ter um que se preocupava com o Egito como um todo e não apenas com uma cidade: Alexandria.

Alexandria continuou sendo o principal centro do governo e as antigas divisões dos nomos (províncias) com suas cidades metropolitanas foram mantidas.

O regime agrário também não se modificou: as terras reais e sagradas tornaram-se terras imperiais e mesmo as terras de proprietários privados eram controladas pelo imperador. Muitas delas foram sujeitas a confiscações. Para além do grande domínio sobre este setor da economia, o imperador ainda tinha o monopólio sobre as minas, as salinas e a produção de papiros.

O latim era o idioma dos exércitos, mas a maioria dos detalhes burocráticos era registrado em grego. Em todo o Egito, durante a época ptolomaica, a linha divisória entre os gregos e os egípcios havia se tornado mais sutil com o passar do tempo, pois o critério para ser um grego era aparentemente a simples capacidade de falar grego e dizer que era grego. Uma circunstância que os conquistadores romanos achavam incompreensível e intolerável. Os gregos eram gregos e os egípcios não eram; então, eles tornaram as regras mais rígidas para garantir que esta confusão não acontecesse. Os gregos tinham que comprovar suas origens.

Os egípcios eram considerados uma classe inferior e foram compilados regulamentos por escrito, conhecidos como o Gnomon do Idios Logos, para permitir que as autoridades romanas reforçassem este preconceito e estabelecessem penalidades fixas. Uma grande parte destas normas sobreviveu em um documento de papiro.

Os Imperadores Romanos, ao menos no começo, se preocuparam em desempenhar seu papel de Faraós, sendo assim, construíram diques, templos e palácios. Revitalizaram a economia da região e até deram força às antigas crenças, se bem que com ressalvas, visto que os Romanos não aceitavam duas práticas religiosas nos países que dominavam: Magia Negra e Sacrifícios Humanos.

Sacrifícios Humanos os Egípcios não realizavam, mas, no entanto, aos olhos dos Romanos, a Magia Negra era um crime de sua Religião. Sob o domínio Romano a Núbia voltou a ser contatada, se bem que não dominada (esta é, aliás, uma das mais fortes raízes de indícios de uma possível Cristianização do Reino de Meroë e da difusão do Cristianismo pelo Chifre da África, em Reinos como a Absínia e, quem sabe, o Reino de Prestes João) Entre os feitos Romanos no Egito estão a construção de um novo e bonito oratório na ilha de Philae (que talvez tenha mesmo sido construída inteiramente no Período Romano) e a revitalização de Elefantina como forte de proteção do Egito contra ofensivas oriundas da África Central.

Aliás, no que se refere a Philae, pode-se dizer que ela foi o último resquício da Religião Antiga do Egito. Numa época em que os demais templos já haviam sido abandonados até mesmo pelos turistas que, na época em que os Imperadores (ainda não Cristãos) favoreciam o Egito e seus templos, viviam ocupando os sacerdotes que se haviam convertido em guias turísticos, o templo de Isis em Filae ainda se mantinha ativo e com um Clero residente. Seu oráculo era representante de Isis e de Horus e foi o último bastião do culto da mãe e do filho (que inspirara a história de Maria e Jesus) a resistir no Egito e no mundo Mediterrâneo.

Conta-se que um falcão sagrado com uma penugem de um colorido todo especial vivia sobre o batente de entrada do templo, com efeito, este falcão era o próprio Horus, ou seja, agora que já não havia mais Faraós, o Horus havia se tornado um falcão a habitar o batente da porta de um templo. Foi no governo de Justiniano (527 – 565 d.e.c.) que o templo de Philae foi invadido e destruído por uma horda de Cristãos incitados por seus Clérigos. O falcão sagrado foi morto, o templo foi despojado de todo o seu ouro e os Sacerdotes foram dispersados ou mortos. Era a força de Cristo se impondo (literalmente) sobre os cultos que originaram sua essência, mas a quem ela não pagou outro tributo senão o da condenação por infidelidade e idolatria, as mesmas velhas desculpas de sempre, desculpas que justificaram tantas mortes ao longo da História e que ainda justificam inúmeros preconceitos ignorantes.

Impostos

Sob o governo romano, o Egito foi pesadamente explorado, através da enorme quantidade de regras e impostos.

Os impostos eram injustamente aplicados, com os ricos pagando menos. Os cidadãos de Alexandria eram imensamente privilegiados e pagavam poucos impostos. Os cidadãos das cidades provincianas pagavam mais e os habitantes egípcios da zona rural, muito mais pobres, pagavam muito mais. Um dos mais caros era o imposto da «apuração de votos» introduzido pelos romanos e perpetuado durante os primeiros 3 séculos de seu governo.

Somente os cidadãos de Alexandria podiam requerer o grande prêmio dos primeiros séculos do governo romano «a cidadania romana». Mas mudou perto do ano 200 dC , quando o imperador Sétimo Severo permitiu que Alexandria tivesse um senado e as capitais dos nomos instituíssem conselhos. Os impostos não foram aliviados, o que impedia a prosperidade agrícola. Os homens fugiam de suas casas e de fazendas porque não conseguiam pagar, mas os aldeãos da mesma categoria que eles tinham que recuperar o dinheiro perdido e eram forçados a trabalhar na terra abandonada. Nos locais em que aldeias inteiras eram abandonadas, as comunidades vizinhas eram obrigadas a assumir o fardo do imposto.

Os membros da classe magistral que, em séculos anteriores pagavam com muito boa vontade pela construção de edifícios e pelos serviços públicos, como o fornecimento dos óleos para os banhos, foram forçados a executar suas tarefas de maneira compulsória e em geral eram financeiramente arruinados pela imposição das taxas adicionais. Os coletores de impostos, quando não recebiam as quantias que lhes eram devidas, recorriam à violência e ao encarceramento dos membros da família dos contribuintes relutantes.

Houve muitos períodos durante o governo romano em que a vida se tornou intolerável, mas os séculos V e VI foram provavelmente os mais prósperos para o povo em geral. O tributo para a «apuração de votos» parece ter sido abolido pelo imperador Diocleciano, perto do final do século III. Mas muitas outras taxas continuavam e novas eram introduzidas, com o annona militaris, um imposto para o benefício do exército, e o«imposto da coroa», pago em ouro ao imperador pelas cidades e suas dependências. Muito diferente dos Ptolomeus, que haviam armazenado os grãos e o ouro no Egito, os imperadores romanos levaram embora a maioria destes produtos. Houve uma inflação lenta com o passar dos séculos, mas os preços aumentaram drasticamente apenas a partir do final do século III.

O imperador Diocleciano ordenou as mudanças mais abrangentes na organização do Egito romano, desde a administração original de Augusto. Perto do final do século III, Diocleciano dividiu o país em 3 províncias, para propósitos de administração:




1. o Egito Jovia juntamente com Alexandria, era governado pelo prefeito do Egito,
2. o Egito Hercília e
3. o Egito Tebaida tinham governadores diferentes.

O latim se transformou cada vez mais no idioma da burocracia. Diocleciano também revisou a estrutura dos impostos, introduzindo ciclos de acusações e períodos fixos de arrecadação fiscal, de forma que as pessoas entendiam mais o que se esperava delas. As demandas arbitrárias e inesperadas tornaram-se menos frequentes. As divisões e as amalgamações adicionais do país continuaram durante todo o final do período romano.

Houve várias rebeliões contra o domínio romano. Perto do final desse domínio, os persas ficaram no controle do país durante uma década e foram expulsos em 627; menos de 15 anos depois, os árabes vieram para ficar. Eles destruíram o forte da Babilônia, próximo do local onde a cidade do Cairo seria mais tarde erguida, e depois ocuparam Alexandria em 642, colocando um fim no governo romano depois de quase 700 anos.

Augusto via o sacerdócio egípcio como um centro de patriotismo, desassossego e rebelião e por isso restringiu severamente seus poderes e seus privilégios. Com o triunfo do cristianismo, os oficiais religiosos, principalmente os patriarcas de Alexandria, tornaram-se imensamente poderosos e puderam contrariar as intenções dos governadores do Egito e até mesmo do imperador. O monasticismo foi desenvolvido no Egito. O cristianismo uniu os gregos do Egito com a população egípcia. Como ali se falava mais egípcio do que grego, a Bíblia e os textos cristãos sagrados foram escritos em um idioma que veio a ser chamado de copta, o idioma egípcio escrito com letras gregas e alguns caracteres adicionais da escrita demótica. Com o passar do tempo, o copta começou a ser usado em documentos seculares, apesar do grego continuar sendo muito escrito no período árabe.

Arquitetura


Anfiteatro Romano (Kom El Dekka), Alexandria, Egito
Construído no século 2, esse anfiteatro romano tem 13 partes
semicirculares feitas de mármore branco e cinza.

Muitos dos templos das cidades foram construídos nos estilo egípcio tradicional; mas os edifícios clássicos introduzidos pelos Ptolomeus e no período romano tornaram-se mais evidentes em todo país. Além dos templos clássicos, outros edifícios públicos de formato clássico também foram construídos:

Teatros, hipódromos, ginásios, termas, ninfáceas, ruas colunadas, arcos triunfais e colunas honoríficas.

Alguns dos templos faraônicos presentes nas cidades e aldeias eram muito antigos, mas grande parte dos mais completos e que sobrevivem até hoje foram erguidos pelos Ptolomeus e pelos romanos. Foram construídas igrejas esplêndidas. É possível que no final do século III a maioria dos egípcios já era cristão, ocorrendo um declínio progressivo das religiões pagãs.

Arte e Artesanato

A arte e o artesanato do Egito romano continuaram e também modificaram todos os estilos do passado. As pinturas murais que normalmente retratavam as deidades – Ísis, Atenas... – decoravam muitas das casas localizadas nas aldeias e nas cidades. Durante os primeiros anos do governo romano, algumas esculturas seguiam os estilos tradicionais, mas começou a mudar na época dos ptolomeus. As belas e realistas estátuas de pedra e bronze tornaram-se iguais àquelas produzidas em outras partes das terras clássicas. Apesar do marmóreo branco ser geologicamente escasso no Egito, ele não parece ter sido explorado nos tempos faraônicos, é muito usado durante os períodos ptolomaico e romano tenha sido importado. A fundição do bronze era há muito praticada no Egito e as figuras ocas e volumosas, produzidas pelo processo de encerramento, eram desenvolvidas já no Terceiro Período Intermediário. Durante a época ptolomaica, uma enorme variedade de figuras de terracota foi desenvolvida nas aldeias e nas cidades do Egito, a maioria associada à religião popular, à proteção do povo contra o sobrenatural e a seu bem estar em todos os desastres naturais que pudessem acontecer. Desde o século I dC até os tempos medievais, os ateliês de cerâmica de Assuan tiveram uma produção vasta de mercadorias de barbotina, cerâmica vermelha e de vasos pintados. Algumas da joias de ouro do Egito romano descendiam diretamente das da Dinastia Ptolomaica, particularmente as pulseiras e os anéis de serpente. Os tecidos elaborados, recuperados em vastas quantidades nos sepulcros e nas cidadelas egípcias. Os tecelões do Egito confeccionavam os artigos de vestuário com apenas uma peça e os decoravam ricamente, com motivos de plantas, animais e humanos.

Fontes: Blog Um Mundo Distante / Wikipédia / Templo de Apolo


Leia também!

► Império Romano no Norte da África

► Romanização da Península Ibérica

► A Gália ocupada pelos romanos

sexta-feira, 19 de março de 2010

Las Médulas - Minas de ouro Romanas

Las Médulas, próxima a cidade de Ponferrada, na Província de León, Espanha, era a mais importante mina de ouro durante o Império Romano




As Médulas foi uma antiga exploração romana de ouro a céu aberto e é hoje uma paisagem grandiosa e espetacular de formações avermelhadas e de bosques de castanheiros e carvalhos, no local que anteriormente foi ocupado pelo monte Medilianum. O sítio de As Médulas é uma das paisagens mais surpreendentes da Península Ibérica, fica na província de León, Espanha, próximo da pequena aldeia com o mesmo nome.




Foi inscrita em 1997 como um Patrimônio da Humanidade na lista da UNESCO.

História

O Imperador Caio Júlio César Otaviano Augusto invadiu a região em 25 a.C. e a mineração começou pouco depois do surgimento de Hispânia Tarraconense, uma província romana na Península Ibérica (atualmente ocupada por Portugal e Espanha) e que chegou a ocupar, no seu momento máximo, cerca de dois terços desta. No noroeste da Espanha, Las Médulas foi explorada com uma técnica hidráulica exclusiva para a época. A água foi retirada dos rios que nasciam na próxima Serra de La Cabrera por mais de dois séculos.

Ruina Montium

Ruina montium, era uma técnica que ajudava a detectar ouro graças a jorros de alta pressão, dirigidos a partir de um tanque situado até 250 m por cima da local da jazida.




Consiste em abrir cavidades e túneis numa montanha com grande quantidade de água vinda de, no mínimo, sete longos aquedutos que drenavam os rios nas montanhas próximas. Os aquedutos ainda eram utilizados mais tarde para enxaguar os gigantescos depósitos de ouro. De uma forma resumida, pode-se dizer que eles “arruinavam as montanhas”, numa tradução direta do termo Ruina Montium.

Caio Plínio Segundo, o mais importante naturalista da Antiguidade descreveu a técnica em 77 d.C.:

“O que acontece é muito além do trabalho de gigantes. As montanhas estão rasgadas com corredores e galerias feitas pelas luzes de lamparinas que duram até a troca de turnos. Por meses, os mineradores não podem vem a luz do sol e muitos deles morreram dentro dos tunéis. A esse tipo de mina tem sido da o nome de Ruina Montium. As rachaduras feitas nas entranhas das pedras são tão perigosas que seria mais fácil achar purpurina e pérolas no fundo do mar que fazer cicatrizes na rocha. Como fizemos perigosa a terra!”

A exploração do ouro em Las Médulas envolveu, durante os dois séculos de trabalho, cerca de 60 mil trabalhadores livres e trouxe aos romanos estimados 1,65 milhões de quilos do mineral.

Durante século III d.C o ouro acabou e os romanos deixaram a região completamente devastada. E como não houve mais qualquer atividade, os espetaculares traços da marcante tecnologia antiga, porém ali inventada, permanecem visíveis até hoje.

Conhecendo Las Médulas

Abandona a exploração, durante o século III d.C., a vegetação nativa foi, novamente, tomando conta do lugar.




Lá podem ser encontrados vários espécimes de carvalhos e azinheiras, mas também não raras as castanheiras, que apesar de não serem nativas da região, foram levadas pelos romanos e se adequaram bem ao solo. As formas “caprichosas” do terreno se integraram perfeitamente com a vegetação, criando um cenário muito diferenciado do que se está acostumado a ver.




Atualmente, destaca-se na fauna da região o javali (Sus scrofa), a mais conhecida espécie de porco selvagem; a corça (Capreolus capreolus), o menor cervídeo europeu, pesando entre 18 e 29 quilos e o gato-bravo (Felis silvestris), ou gato-montês, um felino bastante solitário e que pode chegar a sete quilos. Já foram avistadas mais de uma centena de espécies de aves.

Turismo

Aconselha-se vivamente a realização do percurso pedestre de cerca de 3 quilômetros que parte do centro interpretativo, na aldeia homónima, e nos conduz por entre um majestoso bosque de castanheiros e carvalhos até às minas de La Encantada e La Cuevona.




Durante o trajeto temos o privilégio de apreender em cada passada a dimensão colossal do processo de exploração aurífera que aqui ocorreu nos inícios do primeiro milénio depois de Cristo. O monte Medilianum, que ocupava esta paisagem quase extra-terrestre, foi integralmente desfeito por sucessivas enxurradas de água controladas pelos seus exploradores, armazenada metodicamente para o efeito através da captação por canais em altitude que atingiam a extensão de 300 quilómetros. Uma maravilha do engenho humano.

Fontes: Blog Viandante / Wikipédia / Mil Maravilhas

O declínio do Império Romano

A cada dia, ficava mais difícil proteger o imenso território e o exército tinha de utilizar seus recursos para conter as invasões bárbaras nos séculos III e V d.C..

A economia começou a sofrer os efeitos das invasões, pois o dinheiro para as construções públicas e cerimônias era desviado para o exército.

O declínio econômico

Durante o seu auge nos séculos I e II, o sistema econômico do Império Romano era o mais avançado que já havia existido e que viria a existir até a Revolução Industrial. Mas o seu gradual declínio, durante os séculos III, IV e V, contribuiu enormemente para a queda do império.

A massiva inflação promovida pelos imperadores durante a crise do terceiro século destruiu a moeda corrente, anulando a prática do cálculo econômico a longo prazo e conseqüentemente a acumulação de capital, que somada ao controle estatal da maioria dos preços teve efeitos desastrosos. Então, Roma começou a ter uma queda pelas demais expansões. A falta de condições financeiras e a falta de escravos para uso de mão-de-obra em todo o império geraram tais quedas.

Essas medidas tiveram conseqüências desastrosas pois, com quase todos preços artificialmente baixos, a lucratividade de qualquer empreendimento comercial foi anulada, resultando num colapso completo da produção e do comércio em larga escala e da relativa e complexa divisão do trabalho que existia durante a Pax Romana.

A população das cidades caiu por todo império devido ao colapso comercial e industrial. Enquanto o número de cidadãos (homens adultos e livres) durante o Principado em Roma era de 320 mil, em Constantinopla no século V havia apenas oitenta mil cidadãos (25% do número de cidadãos em Roma). Considerando que em Constantinopla existia um número menor de escravos, isso poderia resultar em uma população total cinco vezes menor. Os trabalhadores desempregados se fixaram no campo e tentaram produzir eles mesmos os bens que queriam, desmonetizando a economia e acabando com a divisão de trabalho, ocorrendo uma drástica redução da produtividade da economia.

Esses fenômenos resultaram na criação do primitivo sistema feudal baseado na auto-suficiência de pequenos territórios economicamente independentes.

Com seu sistema económico destruído, a produção de armas e a manutenção de uma força militar defensiva se tornaram infinanciáveis, o que facilitou enormemente as invasões dos bárbaros.

O declínio cultural

Outra vertente que contribuiu para a sua queda foi a diversificação cultural que Roma se tornou após o contato com as colônias e com a naturalização dos bárbaros, fato que possibilitou à população insatisfeita duvidar da influência dos deuses nas decisões políticas, explicação que legitimava o poder do imperador.

O exército descobriu sua importância no sistema romano e passou a exigir status e melhores remunerações, exigências que o Império não tinha condições de corresponder. Razões tais nos levam a concluir que a queda do império foi ocasionada por fatores internos do próprio Império. É lógico que após a consumação do fato fica fácil analisar o problema, pois estamos fazendo o estudo retrospectivo, e na época do Império, apesar desses problemas terem sido alertados por alguns Senadores, não se podia prever com situações hipotéticas o que poderia acontecer, até porque quando esses problemas começaram a aparecer o Império estava em sua melhor fase.

O exército

Em última análise, Roma conquistou o seu império graças às forças das suas legiões. E os seus exércitos no baixo-império eram muito diferentes do que tinham sido na época da República e do alto império. Eram tropas inferiores sob todos os aspectos.

Para recrutar soldados recorria-se a vários métodos em simultâneo: voluntários, recrutamento por conscrição (e aí a influência dos grandes proprietários era determinante, pois não queriam perder os seus melhores homens e falseavam o sistema), hereditariedade, ou então rusga pura e simples até se preencher as necessidades. De fato, ao contrário do que se disse por muito tempo, o exército romano continuou a ser constituído por gente de dentro do império com exceção de algumas unidades: a barbarização dos quadros no Ocidente só se deu em meados do século V e mesmo assim a defesa local ficou sempre a cargo dos romanos, mantendo-se algumas unidades romanas ofensivas.

Quanto ao valor do soldado romano, poderia ter perdido algumas das suas qualidades, mas a realidade é que a guerra se modificou: raramente se travavam grandes batalhas entre exércitos regulares o que era muito caro para as frágeis estruturas financeiras do império tardio, mas sim emboscadas e guerrilha que exigia sobretudo flexibilidade e improvisação e menos automatismo nas formações.

Cabe ressaltar, que o exército romano era uma força permanente, e não recrutada de acordo com as necessidades por algum tempo. Logo, para se manter um grande exército é preciso muito dinheiro e o Ocidente não o tinha, por causa do declínio econômico que se procedia desde o século III: apesar de ter espremido as províncias até levar à revolta dos camponeses, sobretudo na Península Ibérica e Gália, os imperadores do Ocidente não conseguiram preservar o seu Estado. Poder-se-ia argumentar que o Cristianismo enfraquecera o patriotismo romano, mas essa é uma falsa questão; soldados romanos nunca passaram para o lado do inimigo externo. Entretanto, freqüentemente tendiam a querer nomear um novo imperador, entrando em conflito contra outras legiões. Isso vinha acontecendo desde o fim da república, assim que terminou a conscrição por períodos limitados.

No princípio do século V, a maioria do exército romano era ainda constituída por romanos. À medida que os bárbaros foram entrando pelo império, começou-se a fazer acordos em que eles deveriam fixar-se num determinado território, recebendo terras e, em troca, ficando a serviço do imperador para lutar contra seus inimigos. Portanto, essa situação de bárbaros a serviço de Roma já era comum.

No entanto, o recrutamento destes, costumava ser feito por indivíduos treinados, que eram ensinados a falar latim e equipados por oficiais romanos, tornando-se romanos indistinguíveis na geração seguinte; na nova situação, eles vinham em enormes grupos com seus próprios líderes. A conseqüência disso foi que as tribos foram, progressivamente, emancipando-se da tutela romana e formando seus próprios reinos.

Com relação às invasões, é importante notar que a região européia do império passou a ser ocupada por povos nômades, de diferentes origens e em alguns casos, que realizavam um processo de migração, ou seja, sem a utilização de guerra contra os romanos. Vários desses povos foram considerados aliados de Roma.

O cristianismo

Uma das questões sociológicas muito debatidas ao longo da história é a questão de saber se o Cristianismo contribuiu ou não para a queda do Império Romano do Ocidente.

· Santo Agostinho, pensador e religioso cristão do século V, refutava esta conexão.
· Edward Gibbon e David Hume, propagadores da ideologia anti-religiosa do Iluminismo no século XVIII, foram da opinião contrária.

O Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano em 380, com o imperador Teodósio I. O Império Romano do Ocidente cairia cerca de 100 anos depois. Entre os séculos II e III, séculos em que o Cristianismo ganhou cada vez mais adeptos entre os Romanos, o Império começou a sentir os sinais da crise: foi-se diminuindo o número de escravos, acorreram rebeliões nas províncias, a anarquia militar e as invasões bárbaras.
Quando se fala em "sinais da crise" que estariam pretensamente relacionados ao cristianismo, na verdade se fala de um período extremamente conturbado, no qual o Império chegou a estar muito perto da derrocada. Por volta de 285, o imperador Diocleciano salvou o Império Romano do colapso, dando a ele um último fôlego. Tudo isso já ocorria numa época em que os cristãos eram somente uma minoria marginalizada.

A tentativa de responsabilizar o cristianismo pelos fortes problemas vividos em Roma durante os séculos II e III fica bastante enfraquecida quando se percebe que mesmo no início do século IV apenas cinco a sete por cento dos romanos tinham se tornado cristãos; quase todos eles na parte Oriental do império, exatamente o lado que permanecera mais forte e estruturado durante a crise.
Além disso, mesmo na época da queda definitiva de Roma, o lado oriental continuava sendo o mais cristianizado. E foi esse lado mais cristão que sobreviveu na forma posteriormente conhecida como Império Bizantino.
Se a Igreja tivera reticências ao serviço militar nos tempos da perseguição, a partir do momento que o império se tornou cristão considerava um crime grave alguém furtar-se ao seu dever. A pena por deserção no exército era ser queimado a fogo lento. A Igreja tornou-se fervorosamente patriótica e romana a ponto de desgostar um neo-pagão como o imperador Juliano, o Apóstata que achava que os cristãos só deviam poder ensinar coisas relacionadas com o cristianismo e não cultura clássica. De alguma maneira, aumentou a consistência do império.
Um outro argumento que se apresenta normalmente, é que enquanto o Império pagão fora tolerante, o cristianismo era intolerante perseguindo pagãos, cristãos considerados heréticos e judeus. Roma, de fato, fora no início do Cristianismo relativamente tolerante - se perseguira pontualmente grupos como os cristãos fora por motivos muito específicos. A recusa dos cristãos em aceitar o culto da divindade do imperador foi com toda probabilidade a base jurídica da perseguições que se seguiram. A devoção monoteísta dos cristãos e sua rejeição aos rituais tradicionais deram os motivos adicionais.
Depois das dificuldades do século III, vários imperadores procuraram centralizar mais o Estado, obter um maior controle dos cidadãos para que deste modo fosse mais fácil mobilizar recursos humanos e financeiros para defender o fragilizado império, e unificar o império em torno de uma ideologia. Com Constantino I tornou-se o cristianismo a religião a obter esse monopólio.

O conceito de decadência

Os historiadores têm revisto o conceito de decadência. Se analisarmos os séculos IV e V, estes são muito ricos em termos artísticos e culturais, sobretudo se comparados com os séculos II e III. Temos os padres da Igreja, os Neo-Platônicos, os primeiros passos da arte bizantina a mostrar a vitalidade do império que continuou com Bizâncio. É que quando se fala de que o império se desmoronou, existe a tendência a esquecer que o Império Romano do Oriente, fortemente cristianizado e urbano, ainda existiu mais mil anos, embora em declínio territorial, enquanto que a metade ocidental pagã e menos urbanizada é que foi conquistada pelos bárbaros.

De certo modo, Roma ainda vive em nós. Nossa língua, assim como outras línguas européias derivam do latim, mesmo idiomas não-latinos tem muitas palavras de origem latina. As bases de nossa justiça, exército e família são de raízes romanas.

Fontes: Wikipédia / Discovery Brasil

quinta-feira, 18 de março de 2010

O Panteão de Agripa

Templo romano dedicado ao culto pagão sobreviveu graças ao cristianismo




Depois de 500 anos de existência, expansão territorial galopante e progresso nas mais diversas áreas, o Império Romano deixou apenas um monumento em perfeito estado de conservação. É o Panteão de Agripa, um templo dedicado a todos os deuses romanos.

O nome do edifício é uma homenagem ao cônsul Marco Vispânio Agripa (63-12 a.C.), que mandou realizar a obra em 27 a.C. No ano 80, a construção foi praticamente destruída por um incêndio. Quatro décadas depois, o imperador Adriano (76-138) mandou reerguê-la. "Há indícios de que o próprio Adriano foi o arquiteto. Ele queria abrigar os deuses romanos e os dos povos conquistados", afirma o historiador Manuel Rolph, da Universidade Federal Fluminense.

Ironicamente, foi graças à Igreja Católica que a edificação pagã sobreviveu ao tempo e ao vandalismo. Em 608, após o fim do Império, o rei bizantino Flávio Focas entregou o Panteão ao papa Bonifácio IV (550-615), que o consagrou igreja cristã dedicada a Santa Maria e a Todos os Santos.

CHAMA ACESA
Na Roma antiga, um templo era, literalmente, a casa dos deuses. Cada um deles era zelado por uma sociedade sacerdotal, que prezava pela manutenção e pela segurança da estátua e se responsabilizava por manter tochas acesas em sua homenagem.

ADRIANO, JUIZ SAGRADO
A partir do primeiro século de nossa era, a noção de que o imperador era a própria divindade ganhou força. Adriano era associado a Hélios, o deus sol, e como tal podia usar o templo. Ele fez do Panteão um tribunal, onde realizou diversos julgamentos.

PARA POUCOS
O lugar era imponente, mas o acesso permanecia restrito às autoridades políticas e religiosas. Não eram realizados rituais públicos, e mesmo os senadores só entravam no local para acompanhar o imperador.

FACHADA GREGA
A obra segue a influência helenística, como se percebe na fachada com colunas gregas. Sobre elas, está a inscrição "M.AGRIPPA.L.F.COS.TERTIUM.FECIT", que significa: "Construído por Marco Agripa, filho de Lúcio, pela terceira vez cônsul".

ENTIDADES SOBREPOSTAS
Apesar de ser dedicado aos deuses em geral, o local não abrigava estátuas de todos. Por dois motivos: em primeiro lugar, o próprio formato circular do edifício já indicava seu caráter ecumênico. Além disso, cada deus representava outros. Vênus, por exemplo, correspondia à Afrodite grega e à Isis egípcia.

BARBERINI: INVASÃO BÁRBARA
No século 17, o papa Urbano VIII, cujo nome de batismo era Maffeo Barberini, resolveu erguer um dossel de bronze sobre o altar da basílica de São Pedro, em Roma. Diante da falta de material, mandou retirar e derreter 90 toneladas de bronze do Panteão de Agripa. Entre as manifestações contra o papa, uma ficou célebre: a do médico Giulio Mancini, que disse: “O que não fizeram os bárbaros, o fez Barberini”.

DEUSES MODERNOS

Hoje, o local abriga túmulos de personalidades

Em Roma, seria inconcebível enterrar mortos em templos. No século 16, quando o Panteão já pertencia à Igreja, começaram a ser colocados ali personagens célebres da Itália. Estão lá os restos mortais dos pintores Annibale Carracci (1560-1609) e Rafael Sanzio (1483-1520) e de vários reis italianos, como Vitor Emanuel II (1820-1878) e Humberto I (1844-1900).

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terça-feira, 16 de março de 2010

Perseguição aos cristãos

As perseguições do Império Romano aos cristãos durante o segundo e terceiro séculos eram cruéis. Mesmo quando havia paz, a perseguição podia recomeçar a qualquer momento, cada vez mais violenta




O governo imperial se incomodava com o crescimento e com os “mistérios” que envolviam os cristãos, que se negavam a participar das cerimônias religiosas regulares realizadas pelos romanos, bem como aceitar que o imperador fosse adorado como um deus. Este foi o principal motivo das perseguições. Mas, também existiam outros motivos, como por exemplo:

Religiosos: As reuniões dos cristãos despertavam suspeitas, por isso foram acusados de praticarem atos imorais e criminosos durante a celebração da Ceia do Senhor. Eles se reuniam antes do nascer do sol, ou então à noite, quase sempre em cavernas ou nas catacumbas subterrâneas. Eram acusados de incesto, de canibalismo e de praticas desumanas, a ponto de serem acusados de infanticídio em adoração ao seu Deus. A saudação com o ósculo santo (beijo) foi transformado em forma de conduta imoral.

Políticos: Os cristãos rejeitavam a escravidão e a adoração ao imperador. A adoração ao imperador era considerada prova de lealdade. Havia estátuas de imperadores reinantes nos lugares mais visíveis para o povo adorar. Só que os cristãos não faziam essa adoração. Pelo fato de cantarem hinos e louvores e adorarem a “outro Rei, um tal Jesus”, eram considerados pelo povo como desleais e conspiradores de uma revolução. Dentro da igreja misturavam escravos com o povo. E o que era considerado mais absurdo, o escravo podia tornar-se líder da igreja. Não havia dentro da igreja a divisão: senhor e escravo, os dois eram tratados de forma igual.

Primeiras perseguições

A primeira tomada de posição do Estado Romano contra os Cristãos remonta ao imperador Cláudio (41-54 d.C). Os historiadores Suetônio e Dione Cássio referem que Cláudio mandou expulsar os judeus porque estavam continuamente em litígio entre si por causa de um certo Chrestos. «Estaríamos diante das primeiras reações provocadas pela mensagem cristã na comunidade de Roma», comenta Karl Baus.

O historiador Gaio Suetônio Tranquilo (70-140 c.), funcionário imperial de alto nível sob Trajano e Adriano, intelectual e conselheiro do imperador, justificará a decisão e as sucessivas intervenções do Estado contra os Cristãos definindo-os como «superstição nova e maléfica»; palavras muito pesadas. Como superstição, o cristianismo é relacionado com as mágicas. Para os romanos ela é aquele conjunto de práticas irracionais que magos e feiticeiros de personalidade sinistra usam para enganar a gente ignorante, sem educação filosófica.
Magia é o irracional contra o racional, o conhecimento vulgar contra o conhecimento filosófico. A acusação de magia (como também de loucura) é uma arma com que o Estado Romano timbra e submete ao controle os novos e duvidosos componentes da sociedade como o cristianismo.
Com a palavra maléfica (= portadora de males) é encorajada a obtusa suspeita do povinho que imagina essa novidade (como qualquer novidade) impregnada dos delitos mais inomináveis e, portanto, causa dos males que de vez em quando se desencadeiam inexplicavelmente, da peste aos aluviões, da carestia à invasão dos bárbaros.

Corpo aberto mas etnia fechada e desconfiada

O Império Romano é (e manifestar-se-á especialmente nas perseguições contra os Cristãos) como um grande campo aberto, disposto a assimilar qualquer novo povo que abandone a própria identidade, mas também uma etnia fechada e desconfiada. Com a palavra etnia, grupo étnico (éthnos em grego) indicamos um agregado social que se distingue pela língua e cultura, desconfiada em relação a qualquer outra etnia.

Roma, com sua organização social de livres com todos os direitos e escravos sem qualquer direito, de patrícios ricos e de plebeus miseráveis, de centro explorador e periferia explorada, vive persuadida de ter realizado o sonho de Alexandre Magno: fazer a unidade da humanidade, fazer de cada homem livre um cidadão do mundo, e do império uma "assembléia universal" (oikuméne) que coincide com a "civilização humana".

Quem quiser viver fora dela, manter a própria identidade para não se confundir com ela, é excluído da civilização humana. Roma tinha um grande temor dos "estrangeiros", dos "diferentes" que poderiam pôr em discussão a sua segurança. E assim como estabeleceu a "concórdia universal" com a feroz eficiência de suas legiões, entende mantê-la também a golpes de espada, crucifixões, condenações aos trabalhos forçados, exílios. Numa palavra: Roma usa a "limpeza étnica" como método para tutelar a própria tranqüila segurança de ser "o mundo civil".

Nero e os Cristãos vistos pelo intelectual Tácito


Uma mulher cristã é martirizada sob Nero em seu re-decreto do mito de Dirce
(pintado por Henryk Siemiradzki, 1897, Museu Nacional, Warsaw).

Um incêndio devastou 10 dos 14 bairros de Roma no ano 65. O imperador Nero, acusado pelo povo de ser o seu autor, lançou a culpa sobre os Cristãos. Inicia, assim, a primeira grande perseguição que durará até 68 e verá perecer, entre outros, os apóstolos Pedro e Paulo.

O grande historiador Tácito Cornélio (54-120), senador e cônsul, descreverá esse acontecimento em seus "Anais", escrito no tempo de Trajano. Ele acusa Nero de ter injustamente culpado os Cristãos, mas declara-se convencido de que eles merecem as mais severas punições porque a sua superstição os leva a cometer infâmias. Não compartilha nem mesmo da compaixão que muitos experimentaram ao vê-los torturados. Eis a célebre página de Tácito:
«Para acabar logo com as vozes públicas, Nero inventou os culpados, e submeteu a refinadíssimas penas aqueles que o povo chamava de cristãos, e que eram mal vistos pelas suas infâmias. O nome deles provinha de Cristo, que sob o reinado de Tibério fora condenado ao suplício por ordem do procurador Pôncio Pilatos.
Momentaneamente adormecida, essa superstição maléfica prorrompeu de novo, não só na Judéia, lugar de origem daquele flagelo, mas também em Roma onde tudo que seja vergonhoso e abominável acaba confluindo e encontrando a própria consagração.
«Foram inicialmente aprisionados os que faziam confissão aberta da crença. Depois, denunciados por estes, foi aprisionada uma grande multidão, não tanto porque acusados de terem provocado o incêndio, mas porque eram tidos como acesos de ódio contra o gênero humano.


Cristãos sendo usados como tochas humanas, na perseguição sob Nero,
por Henryk Siemiradzki, Museu Nacional, Cracóvia, Polônia, 1876.

«Os que se encaminhavam à morte estavam também expostos à burla: cobertos de pele de feras, morriam dilacerados pelos cães, ou eram crucificados, ou queimados vivos como tochas que serviam para iluminar as trevas quando o sol se punha. Nero tinha oferecido seus jardins para gozar desse espetáculo, enquanto oferecia os jogos do circo e, vestido como cocheiro misturava-se ao povo ou mantinha-se hirto sobre o coche.
«Embora os suplícios fossem contra gente culpada, que merecia tais tormentos originais, nascia por eles, um senso de piedade, porque eram sacrificados não em vista de um vantagem comum, mas pela crueldade do príncipe» (15,44).

Os cristãos eram, portanto, tidos também por Tácito como gente desprezível, capaz de crimes horrendos. Os crimes mais infames atribuídos aos cristãos eram o infanticídio ritual (como se na renovação da Ceia do Senhor, quando alimentavam-se da Eucaristia, sacrificassem uma criança e comessem suas carnes!) e o incesto (clara deformação do abraço da paz que se dava na celebração da Eucaristia "entre irmãos e irmãs"). As acusações, nascidas do mexerico do povo simples, foram assim sancionadas pela autoridade do Imperador, que perseguia os cristãos e os condenava à morte.

A partir daquele momento (testemunha Tácito) acrescentou-se à conta dos Cristãos um novo crime: o ódio contra o gênero humano. Plínio o Jovem escreverá, ironicamente, que daquele momento em seguida poder-se-ia condenar qualquer um à morte.

Acusados de ateísmo

São muito poucas as notícias da perseguição que atingiu os Cristãos no ano 89, sob o imperador Domiciano. É, de particular importância, a notícia trazida pelo historiador grego Dione Cássio, que foi pretor e cônsul em Roma. Ele afirma no livro 67 da sua História Romana que sob Domiciano foram acusados e condenados "por ateísmo" (ateòtes) o cônsul Flávio Clemente e sua mulher Domitila, e com eles muitos outros que «tinham adotado os costumes judaicos».
A acusação de ateísmo, nesse século, dirige-se a quem não considerava a majestade imperial como divindade absoluta. Domiciano, duríssimo restaurador da autoridade central, pretende o culto máximo à sua pessoa, centro e garantia da "civilização romana".

É admirável que um intelectual como Dione Cássio chame de "ateísmo" a recusa do culto ao imperador. Significa que em Roma não se admite nenhuma idéia de Deus que não coincida com a majestade imperial. Quem tem uma idéia diversa é eliminado como gravemente perigoso à "civilização romana".

Plínio o Jovem, governador da Bitínia no Mar Negro, estava voltando em 111 de uma inspeção em sua populosa e rica província quando um incêndio devastou a capital, Nicomédia. Muito poderia ter sido salvo se houvessem bombeiros. Plínio relata ao imperador Trajano (98-117): «Cabe-te, senhor, avaliar a necessidade criar uma associação de bombeiros de 150 homens. De minha parte, farei com que essa associação não acolha senão bombeiros…».
Trajando responde recusando a iniciativa: «Não esqueças que a tua província está nas mãos de sociedades desse tipo. Qualquer que seja o seu nome, qualquer que seja a destinação que quisermos dar a homens reunidos em corporação, isso permite, sempre e rapidamente as hetérias. O temor das hetérias (nome grego das "associações") prevaleceu sobre o medo dos incêndios.

O fenômeno era antigo. As associações de qualquer tipo que se transformavam em grupos políticos tinham levado César a interditar todas as associações no ano 7 a. C.: «Quem quer que forme uma associação sem autorização especial, é passível das mesmas penas dos que atacam à mão armada os lugares públicos e os templos». A lei estava sempre em vigor, mas as associações continuavam a florescer: dos barqueiros do Sena aos médicos de Avenches, dos mercantes de vinho de Lion aos trombeteiros de Lamesi. Todas defendiam os interesses de seus inscritos fazendo pressões sobre os poderes públicos.

Plínio não demorou em aplicar a interdição das hetérias num caso particular que lhe foi apresentado no outono de 112. A Bitínia estava cheia de Cristãos: «É uma multidão de gente de todas as idades, de todas as condições, espalhada pelas cidades, nas aldeias e nos campos», escreve ao Imperador. Continua dizendo que recebeu denúncias dos construtores de amuletos religiosos, perturbados pelos Cristãos que pregavam a inutilidade de tais bugigangas.

Instituíra uma espécie de processo para conhecer bem os fatos, e tinha descoberto que eles costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantar-se do sol, cantar um hino a Cristo como a um deus, empenhar-se com juramento a não cometer crimes, a não cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a não faltar à palavra dada. Eles têm também o hábito de reunir-se para tomar a própria refeição que, apesar dos boatos, é alimento ordinário e inócuo».
Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo depois do edito do governador que insistia na interdição das hetérias. Continuando a carta (10,96), Plínio refere ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa, porém, de oferecer incenso e vinho diante das estátuas do Imperador parece-lhe um ato sacrílego de desprezo. A obstinação dos Cristãos parece-lhe «irracional e tola».

Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas acusações de infanticídio ritual e incesto. Permanecem a de «recusarem a oferecer culto ao Imperador» (portanto de lesa majestade), e da formação de hetérias.
O Imperador responde: «Os cristãos não devem ser perseguidos por ofício. Sendo, porém, denunciados e reconhecidos culpados, é preciso condená-los». Em outras palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles: são uma hetéria inócua como os barqueiros do Sena e os vendedores de vinho de Lion. Uma vez, porém, que estão praticando uma «superstição irracional, tola e fanática» (como é julgada por Plínio e outros intelectuais do tempo, como Epíteto, e continuam a recusar o culto ao imperador (e portanto consideram-se «estranhos» à vida civil), não se pode fazer de conta que não há nada. Quando denunciados, sejam condenados.
Continua então (embora de forma menos rígida) o "Não é lícito ser cristão". Vítimas desse período são seguramente o bispo Simeão de Jerusalém, crucificado quando tinha 120 anos de idade, e Inácio Bispo de Antioquia, levado a Roma como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política, em relação aos Cristãos, é exercida pelos imperadores Adriano (117-138) e Antonino Pio (138-161).

Marco Aurélio: o cristianismo é uma loucura

Marco Aurélio (161 - 180), imperador filósofo, passou guerreando 17 dos seus 19 anos de império. Em suas Memórias, em que anotava todas as noites alguns pensamentos «para si mesmo», nota-se um grande desprezo pelo cristianismo. Considerava-o uma loucura porque propunha à gente comum, ignorante, uma maneira de comportar-se (fraternidade universal, perdão, sacrifício pelos outros sem esperar recompensa) que só os filósofos como ele podiam compreender e praticar ao final de longas meditações e disciplinas.

Ele proibiu, num rescrito de 176-7, que sectários fanáticos, com a introdução de cultos até então desconhecidos, pusessem em perigo a religião de Estado. A situação dos cristãos, sempre difícil, endureceu-se ainda mais com ele.


A última prece dos mártires cristãos, de Jean-Léon Gérôme (1883).

As comunidades florescentes da Ásia Menor, fundadas pelo apóstolo Paulo foram submetidas dia e noite a roubos e saques por parte da ralé. Em Roma, o filósofo Justino e um grupo de intelectuais cristãos foram condenados à morte. A florescente comunidade de Lion foi destruída sob a acusação de ateísmo e imoralidade. Pereceram entre torturas refinadas, também, a muito jovem Blandina, e Pôntico de quinze anos.

Os relatórios que chegaram até nós dão a entender que a opinião pública foi endurecendo em relação aos cristãos. Grandes calamidades públicas (das guerras à peste) despertaram a convicção de que os deuses estivessem encolerizados contra Roma. Quando percebeu-se que os cristãos ficavam ausentes das funções expiatórias, ordenadas pelo Imperador, o furor popular encontrou pretextos para excitar-se contra eles. A mesma situação continuou nos primeiros anos do imperador Cômodo, filho de Marco Aurélio. Sob o reinado de Marco Aurélio, a ofensiva dos intelectuais de Roma contra os Cristãos atingiu o auge.

«Freqüente e erroneamente - escreve Fábio Fuggiero - acredita-se que o mundo antigo tenha combatido a nova fé com as armas do direito e da política. Numa palavra, com as perseguições. Se isso pode ser verdade (embora apenas em parte) para o primeiro século da era cristã, já não o é a partir de meados do segundo século. Seja o mundo da "gentios" (= pagãos) seja a Igreja compreendem, mais ou menos na mesma época, a necessidade de combater-se e de dialogar no terreno da argumentação filosófica e teológica.

«A cultura antiga, treinada por séculos em todas as subtilezas da dialética, pode opor armas intelectuais refinadíssimas ao complexo doutrinal cristão e, logo, a própria Igreja, tomando consciência da força que o pensamento clássico exerce como freio da expansão do evangelho, vê a necessidade de elaborar um pensamento filosófico e teológico genuinamente cristão, mas capaz ao mesmo tempo, de exprimir-se numa linguagem e em categorias culturais inteligíveis por parte do mundo greco-romano, no qual se vem inserindo sempre mais».

As argumentações dos intelectuais anticristãos

As argumentações de Marco Aurélio (121-180), Galeno (129-200), Luciano, Pelegrino Proteo e, especialmente, Celso (que escreveram suas obras na segunda metade do século segundo) podem-se condensar assim:
«A 'salvação' da insignificatividade da vida, da desordem dos acontecimentos, do aniquilamento da morte, da dor, só pode ser encontrada numa 'sabedoria filosófica' por parte de uma elite de raros intelectuais. Trata-se de uma loucura o fato de os cristãos colocarem esta 'salvação' na 'fé' num homem crucificado (como os escravos) na Palestina (uma província marginal) e declarado ressuscitado.
«O fato de os cristãos crerem na mensagem do crucificado, que se dirige preferencialmente aos marginalizados e pobres (à 'poeira humana') e que pregue a fraternidade universal (numa sociedade bem escalonada em pirâmide e considerada como 'ordem natural') é outra loucura intolerável, que incomoda, que revira tudo. É preciso eliminar os Cristãos como transgressores da civilização humana».

A crítica dos intelectuais anticristãos volta-se contra a própria idéia de "revelação do alto", não baseada numa "sabedoria filosófica"; contra as Escrituras cristãs, que têm contradições históricas, textuais, lógicas; contra os dogmas "irracionais"; contra o fato do LOGOS de Deus fazer-se carne (Evangelho de João) e submeter-se à morte dos escravos; contra a moral cristã (fidelidade no matrimônio, honestidade, respeito pelos outros, ajuda recíproca), que pode ser alcançada por um pequeno grupo de filósofos, mas não certamente pela massa intelectualmente pobre.

Toda a doutrina cristã, para esses intelectuais, é loucura, como é loucura a pretensão da ressurreição (ou seja, da prevalência da vida sobre a morte), como é loucura a preferência de Deus pelos humildes e a fraternidade universal. É tudo irracional.

O filósofo grego Celso, em seu Discurso sobre a verdade, escreve: «Recolhendo gente ignorante, que pertence à mais vil população, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs… O objeto de sua veneração é um homem punido com o último dos suplícios e, do lenho funesto da cruz, eles fazem um altar, como convém a depravados e criminosos».

As primeiras reações dos Cristãos

Por decênios, os cristãos permaneceram calados. Difundem-se com a força silenciosa da proibição. Opõem amor e martírio às acusações mais infamantes. É no segundo século que seus primeiros apologistas (Justino, Atenágoras, Taciano) negam, com a evidência dos fatos, as acusações mais infamantes, e procuram exprimir a própria fé (nascida em terra semítica e confiada a "narrações") em termos culturalmente aceitáveis por um mundo embebido de filosofia greco-romana. Os "tijolos" bem alinhados da mensagem de Jesus Cristo começam a ser organizados segundo uma estrutura arquitetônica que possa ser valorizada pelos greco-romanos. Serão Tertuliano, no Ocidente, e Orígenes, no Oriente (terceiro século), a darem uma forma sistemática e imponente a toda a "sabedoria cristã". Com os "tijolos" da mensagem de Jesus Cristo tentar-se-á delinear a harmonia da basílica romana, como depois, com o passar dos séculos, tentar-se-á delinear a ousadia da basílica gótica, a sólida pacatez da catedral românica, o fasto da igreja barroca…

A grave crise do terceiro século (200-300)

O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e império romano transformam-se, embora nem todos o percebam. A grande crise é assim descrita pelo historiador grego Herodiano: «Jamais houve, nos duzentos anos passados, um tão freqüente suceder-se de soberanos, nem tantas guerras civis e contra os povos limítrofes, nem tantos movimentos de povos. Houve uma quantidade incalculável de assaltos a cidades no interior do Império e em muitos países bárbaros, de terremotos e pestilências, de reis e usurpadores. Alguns deles exerceram o comando longamente, outros mantiveram o poder por brevíssimo tempo. Algum deles, proclamado imperador e glorificado, permaneceu um só dia e logo desapareceu».

O Império Romano estendera-se progressivamente com a conquista de novas províncias. A conquista continuada permitira a exploração de sempre novas vastíssimas terras (o Egito era o celeiro de Roma, a Espanha e as Gálias, a sua vinha e o seu olival). Roma apossara-se de sempre novas minas (a Dácia tinha sido conquistada pelas suas minas de ouro). As guerras de conquista tinham providenciado multidões infinitas de escravos (prisioneiros de guerra), mão-de-obra gratuita.

Em meados do século terceiro (por volta de 250) percebeu-se que a festa acabara. A Leste, formara-se o poderoso império Sassânida, que fez duríssimos ataques aos Romanos. Em 260 foram capturados o imperador Valeriano e todo o seu exército de 70 mil homens, e devastadas as províncias do Leste. A peste acabou com as legiões supérstites e espalhou-se por todo o Império. Ao Norte formara-se um outro aglomerado de povos fortes: os Godos. Espalharam-se pela Mésia e pela Dácia. O Imperador Décio e o seu exército tinham sido massacrados em 251. Os Godos desceram devastando do Norte até Esparta, Atenas, Ravena. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A maior parte das pessoas cultas, que não puderam ser substituídas, perderam a vida ou tornaram-se escravas. A vida regrediu ao estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio foram aniquilados.

Nesse tempo de grave incerteza cai a segurança garantida pelo Estado. Agora são os gentios (=pagãos) que se tornam "irracionais", a confiar não mais na ordem imperial mas na proteção das divindades mais misteriosas e estranhas. Surge no Quirinal, em Roma, um templo à deusa egípcia Isis, o imperador Heliogábalo impõe a adoração do deu Sol, o povo recorre a ritos mágicos para manter a peste distante. Entretanto, mesmo no século terceiro dão-se anos de terríveis perseguições contra os cristãos. Não mais por causa da sua "irracionalidade" (num mar de gente que se entrega a ritos mágicos, o cristianismo é agora o único sistema racional), mas em nome da renascida limpeza étnica. Muitos imperadores, mesmo sendo bárbaros de nascimento, vêem no retorno à unidade centralizada a única via de salvação. E decretam a extinção dos cristãos, sempre mais numerosos, para lançar fora da etnia romana esse "corpo estranho", que se apresenta sempre mais como uma nova etnia, pronta a substituir aquela que já declina do império fundado nas armas, na rapina, na violência.

Setímio Severo, Maximino, Décio e Galo

Com Setímio Severo (193-211), fundador da dinastia siríaca, parece anunciar-se ao cristianismo uma fase de desenvolvimento não perturbado. Muitos cristãos ocupam posições influentes na corte. Só no décimo ano de seu reinado (202), o imperador muda radicalmente de atitude.

Em 202 surge um edito de Setímio Severo, que comina graves penas à passagem ao judaísmo e à religião cristã. A repentina mudança do imperador pode ser compreendida apenas pensando que ele percebera que os cristão estavam se unindo sempre mais fortemente numa sociedade religiosa universal e organizada, dotada de uma íntima forte capacidade de oposição que a ele, por considerações de política estatal, parece suspeita. As devastações mais vistosas foram sofridas pela célebre escola cristã de Alexandria e pelas comunidades cristãs da África.
Maximino Trace (235-238) teve uma reação violenta e brutal contra o que tinham sido amigos do seu predecessor, Alexandre Severo, tolerante com os cristãos. A igreja de Roma foi devastada com a deportação às minas da Sardenha dos dois chefes da comunidade cristã, o bispo Ponciano e o presbítero Hipólito.

A atitude para com os Cristãos não fora alterada entre a gente simples; demonstra-o a verdadeira caça aos cristãos desencadeada na Capadócia quando se acreditava ver neles os culpados de um terremoto. A revolta popular diz-nos o quanto os cristãos ainda fossem considerados "estranhos e maléficos" pelo povo. (Cf. K. Baus, Le origini, p. 282-287).

Sob o imperador Décio (249-251) desencadeia a primeira perseguição sistemática contra a Igreja, com a intenção de desenraiza-la para sempre. Décio (sucessor de Filipe o Árabe, muito favorável aos cristão, se não ele mesmo cristão), é um senador originário da Panônia, e muito apegado às tradições romanas. Sentindo profundamente a desagregação política e econômica do império, acreditou que podia restaurar a sua unidade recolhendo todas as energias ao redor dos protetores do Estado. Todos os habitantes são obrigados a sacrificar aos deuses e recebem, depois disso, um certificado.
As comunidades cristãs estão abaladas pela tempestade. Quem recusa-se ao ato de submissão é preso, torturado, justiçado: como o bispo Fabiano em Roma e, com ele, muitos sacerdotes e leigos. Em Alexandria houve uma perseguição acompanhada de saques. Na Ásia, os mártires foram numerosos; entre eles, os bispos de Pérgamo, Antioquia, Jerusalém. O grande estudioso Orígenes foi submetido a uma tortura desumana, e sobreviveu quatro anos aos suplícios, reduzido a uma larva humana.

Nem todos os Cristãos suportam a perseguição. Muitos aceitam sacrificar. Outros, mediante suborno, obtêm escondidamente os famosos certificados. Entre eles, segundo a carta 67 de Cipriano, estão pelo menos dois bispos espanhóis. A perseguição, que parece golpear até à morte a Igreja, termina com a morte de Décio em batalha contra os Godos na planície de Dobrug (Romênia). (Cf. M. Clèvont, I Cristiani e il potere. P. 179s).

Os setes anos seguintes (250-257) são de tranqüilidade para a Igreja, perturbada apenas em Roma por uma breve onda de perseguição quando o imperador Trebônio Galo (251-253) manda prender o chefe da comunidade cristã Cornélio, mandando-o em exílio a Centum Cellae (Civitavecchia). Sua conduta foi devida, provavelmente, à condescendência aos humores do povo, que atribuía aos cristãos a culpa pela peste que assolava o império. O cristianismo continuava a ser visto como "superstição" estranha e maléfica! (Cf. K. Baus, Le origini, p. 292).

Valeriano e as finanças do império

No quarto ano do reino de Valeriano (257) tem-se um improvisa, dura e cruenta perseguição dos cristãos. Não se tratou contudo de assunto religioso, mas econômico. Diante da precária situação do império, o conselheiro imperial (depois usurpador) Macriano induziu Valeriano a tentar tapar o rombo seqüestrando os bens dos cristãos ricos. Houve mártires ilustres (do bispo Cipriano ao papa Sisto II, ao diácono Loureço). Foi, porém, apenas um furto encoberto por motivos ideológicos, que terminou com o trágico fim de Valeriano. Em 259, ele caiu prisioneiro dos persas com todo o seu exército, foi obrigado à vida de escravo e morreu com tal.
Os quarenta anos de paz que se seguiram, favoreceram o desenvolvimento interno e externo da Igreja. Muitos cristãos acederam a altos cargos do Estado e demonstraram-se homens capazes e honestos.

O desastre financeiro cai nos braços de Diocleciano

Em 271 o imperador Aureliano ordenou aos soldados e cidadãos romanos que abandonassem aos Godos a vasta província da Dácia e suas minas de ouro: a defesa daquelas terras já tinha custado muito sangue.

Como não existiam mais províncias a conquistar e explorar, todas as tenções voltaram-se para o cidadão comum. Sobre eles abateram-se taxas, corvéias (= manutenção de aquedutos, canais, esgotos, estradas, edifícios públicos…) sempre mais onerosos. Já não se sabia, literalmente, se o trabalho realizado era para sobreviver ou para pagar as taxas.

Em 284, depois de uma brilhante carreira militar, Diocleciano, de origem dálmata, foi aclamado imperador. Desde então as taxas seriam pagas per capita e per jugero, ou seja, um tanto por cada pessoa e por cada pedaço de terra cultivável.
A coleta das taxas foi confiada a uma atilada e imensa burocracia, que tornava impossível fugir ao fisco, punia de modo desumano quem conseguia fazê-lo e custava muitíssimo ao estado.
As taxas eram tão pesadas que tiravam a vontade de trabalhar. A solução foi proibir que se abandonasse o lugar de trabalho, o pedaço de terra que se cultivava, a oficina, o uniforme militar.
«Teve início, dessa forma - escreve F. Oertel, professor de história antiga na Universidade de Bonn - a feroz tentativa do Estado de espremer a população até à última gota… Sob Diocleciano é realizado um socialismo integral de estado: terrorismo de funcionários, fortíssima limitação da ação individual, progressiva interferência estatal, pesadas taxações».

Perseguições de Galério em nome de Diocleciano

Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os cristãos. Em 303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última perseguição contra eles. «É obra de Galério, o "César" de Diocleciano», escreve F. Ruggiero. «Ele pôs fim em 303 à política prudente de Diocleciano, que se abstivera, embora nutrisse sentimentos tradicionalistas, de atos intransigentes e intolerantes». Quatro editos consecutivos (fevereiro de 303 - fevereiro de 304) impuseram aos cristãos a destruição das igrejas, o confisco dos bens, a entrega dos livros sagrados, a tortura até à morte para quem não sacrificasse em honra do imperador.
Como sempre, é difícil determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar uma política do gênero. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de ambientes pagãos fanáticos, que estavam por detrás de Galério. Numa situação de "angústia difusa" (como diz Dodds), só o retorno à antiga fé de Roma poderia, segundo Galério e seus amigos, unificar o povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era preciso retornar às vetera instituta, isto é, às antigas leis e à tradicional disciplina romana.

A perseguição atingiu a sua máxima intensidade no Oriente, especialmente na Síria, Egito e Ásia Menor. A Diocleciano, que abdicou em 305, sucedeu como "Augusto" Galério, e como "César" Maximino Daia, que se demonstrou mais fanático do que ele.
Só em 311, seis dias antes de morrer de câncer na garganta, Galério emanou um irritado decreto com que detinha a perseguição. Com o decreto (que marcou historicamente a definitiva liberdade de ser cristão), Galério deplorava o obstinação, a loucura dos cristãos, que em grande número se tinham recusado a retornar à religião da antiga Roma; declarava que perseguir os cristãos tornara-se inútil; e exortava-os a rezar ao próprio Deus pela saúde do imperador.

Comentando o decreto, F. Ruggiero escreve: «Os cristãos foram um inimigo extremamente anômalo. Por mais de dois séculos Roma tinha procurado assimilá-los ao próprio tecido social… estavam fisicamente no interior da civitas Romana, mas por motivos diversos eram-lhe estranhos»; tinham finalmente determinado «uma radical transformação da própria civitas em sentido cristão».

A profunda revolução

As últimas perseguições sistemáticas do terceiro e quarto séculos resultaram ineficazes como aquelas esporádicas do primeiro e segundo séculos. A limpeza étnica invocada e apoiada pelos intelectuais greco-romanos não fora realizada. Porque?

Porque, à distância, as acusações indignadas de Celso resultaram o melhor elogio aos Cristãos: «recolhendo gente ignorante, pertencente à população mais vil, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs».
O apelo à dignidade de toda pessoa, mesmo a mais humilde, a igualdade diante de Deus (o ponto mais revolucionário da mensagem cristã) tinha feito silenciosamente o seu caminho na consciência de tantas pessoas e de tantos povos, que os Romanos tinham relegado a posições miseráveis de nascidos escravos e de lixo humano.

As perseguições só se encerram totalmente depois do edito de Constantino I, em 321D.C..

Fontes: Santo Vivo.net / Wikipédia / Catacombe.Roma.it