Cartas trocadas entre o governador Plínio e o imperador romano Trajano mostram que a troca de favores era prática comum na política dos primeiros séculos
Um elogio poderia ser tecido assim que um cargo fosse concebido. Era deste modo que funcionava a política imperial romana de Marco Nerva Trajano: ele não era um homem independente que dispensava favores. Pelo contrário, era de origem espanhola (da província da Hispania), foi o primeiro não romano a assumir o governo de Roma sem ser da elite local e precisava conquistar a simpatia de seu povo com a ajuda de outros homens. Por isso colocou em prática o clientelismo (troca de favores) que hoje é condenável na política, mas que antigamente era uma estratégia bem vista. Foi graças a Caio Plínio Segundo, também chamado de o Jovem, da província de Bitínia (atual Turquia), que Trajano ficou conhecido como um homem de virtude e piedade – foi ele quem cumpriu o principal papel de enaltecer o imperador. E a visão que se tem até hoje de Trajano foi aquela retratada pelo governador da Bitínia, ou seja, mostra apenas o lado que o próprio Plínio queria que ficasse conhecido.
Plínio começou elogiando Trajano quando ainda era cônsul. Ganhou em troca, em 111 d.C., o cargo de governador. Em um discurso que ficou conhecido como Panegírico, ele escreve sobre os aspectos positivos de Trajano e usa uma das crenças mais fortes da época para valorizá-lo: dizia que ele teria sido escolhido pelas divindades. O texto foi lido por Plínio no senado para tentar convencer os outros de que Trajano era um bom imperador. A idéia do discurso surgiu de um boato de que Trajano, quando ainda era militar, estava subindo as escadas do capitólio para pedir a bênção em campanha militar e a população apontou dizendo que aquele que subia era um desígnio das divindades e que seria o imperador. “Como Trajano era de origem provincial, ele poderia não ser bem visto na política. No exército tinha uma boa reputação, porque era militar, mas precisava construir esta impressão também na política”, conta o historiador Thiago David Stadler. A imagem de que o imperador é poderoso tanto quanto as divindades também é representada, na época, por meio do dinheiro: a face de Trajano aparece de um lado da moeda enquanto o rosto de Júpiter está no verso. É como se os dois fossem colocados no mesmo patamar, apesar de Júpiter ser a maior divindade romana na mitologia.
Depois do discurso, Plínio começou a trocar cartas com o imperador. Elas eram públicas e mostram que por trás do pedido de reforma de um banheiro público, por exemplo, Plínio conseguiu criar a boa imagem de um homem não-romano. Eles trocaram cartas entre 98 e 113 d.C.: foram 124 ao todo – elas foram estudadas e traduzidas para o português por Stadler, durante a pesquisa de mestrado, sob a orientação do professor Renan Frighetto. “Analisei cada uma para observar como se constrói a imagem de alguém. Como se chega a essa idealização. Plínio sempre se remete a Trajano de maneira elogiosa, o chama de santíssimo imperador, fala que ele é o melhor dos melhores homens”. E mesmo que o assunto fosse uma obra da cidade, Plínio trata o imperador da seguinte maneira: “Santíssimo imperador, devido a sua graciosidade vamos conseguir construir mais um teatro”.
“As cartas mostram ainda a política não só pelas obras, mas por sua subjetividade. É preciso entender o jogo de palavras”, diz Stadler. No mundo grego acreditava-se que um homem conseguiria ser virtuoso em três situações: nascia assim, aprendia a ser ou o exercício diário o levava a ser virtuoso. Stadler encontrou um quarto ponto sobre a virtude ao analisar as 124 cartas. “Era possível ser uma pessoa virtuosa na sociedade que analisei a partir do momento que alguém o considerasse assim. Trajano poderia não ser virtuoso, mas passou a ser quando um homem público, no caso Plínio, o elevou como tal”, explica. Stadler lembra que a boa imagem de Trajano durou tanto que, 400 anos depois, na Idade Média, ele ainda era associado aos bons imperadores.
Trajano foi o responsável pela maior expansão territorial de Roma, conquistou dois povos inimigos (partos e dácios) de maneira que poucos imperadores foram capazes.
Com Plínio, resolveu alguns problemas de banheiros públicos que estavam caóticos, se preocupou com o saneamento básico, com a construção de teatros e solucionou problemas com escravos.
Plínio chegou a pedir para que a região da Bitínia tivesse um Corpo de Bombeiros porque a população andava apavorada com o fogo, pois tinham poucos baldes à disposição.
Como as cartas poderiam demorar cerca de quatro meses para chegar, muitas das questões tratadas no papel eram resolvidas antes mesmo que o imperador respondesse.
Os imperadores eram vistos como divindades somente depois da morte. Havia um local em Roma onde eram levantadas estátuas em homenagem aos imperadores mortos. Plínio chega a pedir a construção de uma dessas estátuas para Trajano, ainda em vida, como um símbolo de poder e adoração. Apesar de Trajano não ter gostado, respondeu em uma das cartas que essa estátua deveria ser usada para que ele fosse adorado como um pai e não como um deus.
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