segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A »Cortina de Ferro« da Antiguidade

Em Carnuntum, a civilização romana não se mostra apenas tentadora, mas também defensiva e superior. Se os germânicos abrem mão de se tornar parte do Imperium, a culpa é só deles. "O destino", enuncia Plínio, o Velho, "só poupou esses povos do domínio romano para castigá-los". Por outro lado, constantemente tropas romanas se movimentam com total naturalidade ao norte do Danúbio. Elas penetram centenas de quilômetros nas regiões que os germânicos herdaram de seus antepassados, e se entregam a combates com líderes locais - como atesta um campo de batalha recentemente descoberto na Alemanha do norte.

Mas existem também métodos mais elegantes de se manter os bárbaros à distância. Uma rede de espiões, postos comerciais e tribos amigas fornecem aos romanos informações acerca do Barbaricum: quais são os príncipes tribais mais poderosos, e que o melhor seria mantê-los bem-humorados com presentes apropriados. Chefes que cooperam recebem muitas vezes casas inteiras em estilo mediterrâneo, erigidas por artesãos romanos em aldeias germânicas. Devem fazer parte dos utensílios domésticos de um grande chefe: talheres de prata, jarras de vinho, taças de bronze e vidro romano - peças ostentadas com orgulho, e que se manda enterrar junto com os defuntos, no interior do túmulo principesco, para que os acompanhem na eternidade.

Mas os pesquisadores continuam sabendo ainda pouco sobre o fim dessa época da Pax Romana na Germânia, quando os bárbaros e o Império coexistiam em dois lados de uma fronteira. Parece que tudo começou no norte da Germânia, longe do Limes. Em consequência de grandes reviravoltas, surgiram novos povos e poderosas alianças militares. A suposição é de que, reforçando-se, os germânicos não mais aceitavam passar sua vida como parentes pobres, no quintal do mundo romano tão convidativo - excluídos por paliçada, muralha e rio.

Visto o cenário dessa forma, as suntuosas "vitrines" do Imperium exerceriam sobre os germânicos o mesmo efeito que os programas de televisão europeus exercem sobre africanos com vontade de emigrar: o fascínio pela terra prometida além da fronteira - de cujas bênçãos não se quer mais prescindir.



No século 4 d. C. o imperador Constantino II mandou construir
um pórtico monumental e impressionou visitantes de Carnuntum.
Hoje a ruína é conhecida como "Portal dos Pagãos" - ;
uma saga medieval a considerava o túmulo de um gigante pagão.

E foi assim que, em 166 depois de Cristo, teve início em Carnuntum o princípio do fim do Império Romano. Nesse ano apresentaram-se no palácio do governador emissários de dez tribos germânicas, queixando-se de suas dificuldades. O inverno estava ficando cada vez mais frio, e as colheitas eram cada vez piores; além disso, outras tribos vindas do norte invadiam suas terras. Somente entre os romanos haveria ainda esperança, alimento suficiente, meios de subsistência seguros. Eles solicitaram ao imperador que lhes concedesse acolhida no Imperium.


CRONOLOGIA DO LIMES

55-9 a.C. - Júlio César avança até o Reno. Druso comanda campanhas até o Rio Elba.

A partir de 8 a.C. - Germânia torna-se província romana; sua capital é a, posterior, cidade de Colônia.

9 d.C. - Armínio (Hermann, o Querusco) bate os romanos na Batalha de Varus.

14-16 d.C. - Os romanos se retiram temporariamente das regiões a leste do Reno, e o rio se torna uma fronteira.

43-85 d.C. - Os romanos conquistam a Bretanha (43 a.D.); em seguida, o vale sul do Reno, a Floresta Negra, o baixo rio Meno e regiões ao norte da atual Frankfurt.

98-117 d.C. - O imperador Trajano manda construir as primeiras instalações do Limes na Bretanha, Germânia e na Dácia conquistada (atual Romênia).

117-138 d.C. - Adriano determina a construção da Muralha de Adriano, na Bretanha, bem como da paliçada de Limes na Germânia e na parte norte das terras no sopé dos Alpes.

161-180 d.C. - Germânicos rompem o Limes do Danúbio. Marco Aurélio conduz a luta contra os marcomanos (principalmente no Danúbio médio).

200 a.D. - Instalação de fossos e valas na Germânia Superior, bem como da muralha Limes na Récia.

213-238 a.D. - Os imperadores Caracala e Maximino Trácio guerreiam com germânicos além do Limes.

260-275 d.C. - Os romanos recuam o Limes do Reno e do Danúbio, desistem da Dácia (que pertence hoje em sua maior parte à Romênia). Germânicos avançam até a Gália e a Itália do Norte.

Todo o século 4 d. C. - Batalhas com francos, godos e sarmatas.

400-425 d.C. - O Limes Reno-Danúbio vem abaixo; os romanos também se retiram da Bretanha. Em 410, os visigodos alcançam Roma e saqueiam a cidade.


Romanos armados, dácios mortos: os relevos do Tropaeum Traiani, na
atual Romênia, festejam a vitória do Imperium sobre os habitantes da Dácia.

Marco Aurélio (161-180), o filósofo no trono de imperador, autor das famosas "Meditações", recusou o pedido. Roma via-se incapaz de integrar povos inteiros - mesmo que essa decisão arriscasse provocar uma guerra. Diante dessa notícia, 6 mil guerreiros longobardos atravessaram o Danúbio e saquearam as cidades limítrofes romanas. As tropas estacionadas no Limes mal bastaram para combater e repelir os invasores.

Os longobardos foram, contudo, apenas a primeira onda. Em uma frente extensa ao longo da fronteira do Danúbio, do curso superior do rio até o delta, também tribos até ali consideradas pacíficas - e provavelmente aliadas entre si - atacaram o Império Romano. A crônica imperial da famosa "História Augusta" contém listas inteiras com os seus nomes: marcomanos e quados, hermúnduros e vândalos, suevos e sármatas, Rhoxolanos e costobocos.

Fica evidente que o Limes não era de modo algum um bastião militar, mas uma simples zona de controle para tempos de paz - e, nessa condição, possível de ser fiscalizada por policiais e publicanos.

Uma vez em solo do Império, os invasores se beneficiaram da própria infraestrutura romana. Por estradas bem construídas eles se moviam com tanta rapidez, que marcomanos e quados não tiveram dificuldade em alcançar o Mar Adriático.

No leste, os cavaleiros costobocos ameaçavam a desprotegida Atenas. E em todo lugar esses bárbaros encontravam alimento, nada lhes atravancava a ofensiva, a não ser os bens recolhidos nos saques, que se acumulavam de forma crescente em suas carroças, e as dezenas de milhares de prisioneiros sendo levados por eles para o norte - artesãos e engenheiros romanos que agora iam cooperar com a ambição dos germânicos pelo desenvolvimento. A necessidade de reagir era tamanha que Marco Aurélio - tudo, menos um general - deslocou-se pessoalmente para a frente de batalha.

Antes de tomar essa decisão, ele, por sete dias, havia servido os deuses no Capitólio. Marco Aurélio oferecera alimentos requintados diante de suas estátuas, enquanto os cantos de súplica dos sacerdotes rogavam auxílio às divindades celestes. Esse ritual era conhecido apenas através de crônicas antigas; fora celebrado pela última vez 400 anos antes, quando o conquistador Aníbal viu-se diante dos portais de Roma.


Controlar o Danúbio. Era uma ideia dos celtas antes mesmo
dos romanos. Pesquisadores reconstruíram partes de uma
fortificação na montanha Braunsberg, em território austríaco.

Agora o Imperador romano reuniu às pressas quem pudesse empunhar uma arma. Escravos eram libertos, desde que se apresentassem para o serviço militar; gladiadores eram recrutados, bem como ladrões condenados e os policiais das cidades. Para coroar esse ambiente de desgraça, grassava no Império a peste. As cifras de perdas das legiões subiram de 3% a 5% ao ano, para mais de 20%.

Foi quase um milagre que, ao final, o Imperium tenha vencido. Após um largo período - mais de dez anos -, Marco Aurélio conseguiu empurrar o inimigo de volta às terras ao norte do Danúbio. Mais importante: ele levou a guerra novamente para dentro da Germânia.

Exauridas, no ano de 175 essas tribos concordaram com um acordo de paz; todavia, o tratado proibia aos derrotados aproximar-se do Danúbio em uma distância inferior a 13 quilômetros .

Em todo o episódio, o que ficou evidentemente visível foi a fraqueza do Império. E isso representou a semente de sua decadência. Nas montanhas do Taunus, hordas germânicas incendiaram a vicus (colônia) de Saalburg, em 211. A fortificação perto da torre de vigia de Primius Auso conseguiu se manter por quatro décadas. Depois disso os romanos a abandonaram. Em alguns pontos da Grã-Bretanha, os legionários conseguiram manter a Muralha de Adriano até o começo do século 5 depois de Cristo.

Mas há muito tempo estava já claro: a força de integração do Imperium era limitada; seu modelo econômico não podia mais ser exportado. A tarefa de manter riqueza e paz diante de um mundo de pobreza e violência que avançava vindo do Norte, devorou mais recursos do que até mesmo Roma poderia obter.

Homens cada vez mais jovens foram recrutados; e o valor dos impostos bélicos eram cada vez mais altos. No momento em que os moradores das províncias passaram a temer mais os coletores de impostos imperiais e os funcionários das taxas do que os bárbaros selvagens, o Imperium começou a deixar de existir.


<--2ª Parte


.:: Revista GEO


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